Seg, 14 de Janeiro de 2013 14:08
Mal nasci, levei uma palmada na bunda, como se tivesse feito algo proibido. Dói até hoje essa palmada, desferida por um estranho, num mundo para o qual não pedi para ir.
Vivia muito bem, lá onde estava. Era quentinho, agradável, quase nenhuma turbulência, comida abundante, dormia a qualquer hora e não tinha compromisso.
De repente me puxaram pela cabeça e entre no parafuso cósmico que me fez viajar milhares de anos-luz pelo Universo e, como recompensa, uma palmada na bunda.
No primeiro momento, estranhei, não sabia o que era dor.
A sensação foi diferente de tudo o que experimentara e, para completar, senti uma enorme dificuldade para respirar.
Abri os olhos e não entendi nada, a dor na bunda me incomodava, a falta de ar me incomodava e fiz o que me restava saber, na tentativa louca de compreender e sobreviver: Abri o berro.
Sufoco e dor foram minhas primeiras experiências neste mundo.
Nunca mais consegui voltar ao meu planeta de origem, passei a vida tentando, recebi explicações de todo o tipo e ninguém respondeu à única pergunta que eu tinha: Por que me trouxeram para cá, se eu não queria vir.
Até hoje não me conformo com tamanho desaforo, falta de consideração e ofensa aos meus direitos humanos.
Em busca de consolo, imagino que outro ser, algum dia, me pegue pela cabeça, me coloque no parafuso cósmico e me encaminhe para outro mundo, melhor do que este.
Mas o consolo me sai pela culatra, que tipo de experiências terríveis terei que suportar, nos primeiros segundos do novo mundo?
Última atualização em Seg, 14 de Janeiro de 2013 14:16
Ter, 08 de Janeiro de 2013 13:05
Certas coisas acontecem além do espaço, do tempo e da distância. É como estar e não estar, sentir e não sentir, permitir e proibir e… lá no fundo, no mais escondido, desejar.
Sabe-se que, às vezes, dois não são um e, às vezes, um é dois.
É sempre mais rico quando dois sentem por dois, mas também é muito rico quando um sente por dois e quando dois sentem por um.
Certas coisas acontecem quando não deviam acontecer e, honestamente, são as melhores coisas, porque se não deviam acontecer e aconteceram, tudo será novo, as emoções irão borbulhar o corpo todo, mais frágil, mais dócil, mais afeito.
As coisas que acontecem quando devem acontecer fazem parte da rotina, do cotidiano, do dia a dia, da mesmice.
Com elas estamos acostumados, sabemos lidar, elas não ameaçam, elas mantém a ordem e a repetição é simplesmente a vida em ordem.
Quando o que acontece não devia acontecer, é nascer novamente, é ver sentido na vida, é exultar e a palavra expectativa adquire outra dimensão, muito além da lógica, fazendo figa para a lógica e é quando temos coragem de jogar tudo para o alto, sair de baixo e viver o, quem sabe, grande amor, a aventura final, a paixão devastadora que tanto enriquece quanto destrói, mas faz muito mais bem do que não.
Sim, a diferença entre estar vivo e estar morto é que, vivo, certas coisas acontecem que, na morte em vida, não são permitidas.
A diferença entre estar vivo e estar morto é permitir que certas coisas aconteçam, vivê-las até as últimas consequências e depois, se for o caso, morrer em paz.
Última atualização em Ter, 08 de Janeiro de 2013 13:09
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Dom, 06 de Janeiro de 2013 06:31
Quando Haroldo precisou usar óculos, Clarinha disse que ia com ele na ótica.
Haroldo experimentou mais de vinte modelos, Clarinha não gostou de nem um dos que ele gostou e ele não gostou de nem um dos que Clarinha gostou.
Era um homem, o vendedor, e Haroldo percebeu que ele se aliava à Clarinha, aceitando todos os comentários dela sobre os óculos que ele gostava:
Clarinha: Este nem pensar! Você ficou com cara de fuinha.
Vendedor: É, ele encolhe seu rosto.
Clarinha: Experimenta este aqui, você tem o rosto largo, os óculos não podem ser pequenos.
Haroldo experimentava e aí sim, achava que ficava com cara de fuinha.
Obviamente, acabaram comprando os óculos que Clarinha escolheu, coisa que Haroldo sabia que ia acontecer desde o momento em que saíram de casa.
O argumento final, decisivo e contra o qual ele nada pode contrapor, foi quando Clarinha falou, com sua típica voz de irritação anunciando o conflito iminente:
Clarinha: Haroldo, você está precisando de óculos porque não está enxergando direito, você está ficando cego Haroldo! Você mal vê o que está na ponta do seu nariz! Como é que você vai saber o que fica bem em você? Moço, nós vamos levar este aqui.
De volta, no carro, Haroldo falou baixinho, para Clarinha não ouvir muito, num tom de criança emburrada:
Haroldo: Se eu posso enxergar para dirigir…
Clarinha: Chega, Haroldo!
Última atualização em Dom, 06 de Janeiro de 2013 06:39
Qua, 19 de Dezembro de 2012 09:27
Ao contrário do que se pensava, o fim do mundo não foi a destruição do planeta e do sistema solar. Apenas a vida humana desapareceu, como se uma varredura de raios cósmicos calcinasse as pessoas.
Claro que, para a espécie humana de então, foi o fim do mundo, não havia mais inteligência racional e, portanto, tudo o que continuou existindo, para os humanos, deixou de existir.
A lógica e seus paradoxos perdeu o significado e sua influência nas demais espécies, incluindo os reinos animal e vegetal, que foram obrigados a se virar sozinhos, sem a interferência de uma única pessoa.
Estranhamente, para os parâmetros humanos, elas conseguiram, o reino vegetal permaneceu cada vez mais florido, colorido, denso e produtivo, as frutas davam ao natural e serviam de alimento a dezenas de animais que, igualmente, continuaram existindo sobre a face da terra.
Muitas espécies, ameaçadas de extinção, realmente se extinguiram, provando que o fenômeno não era causado pelo Homem e sim pela própria Natureza, que é implacável com os seus ciclos.
As cidades, com o passar dos séculos, foram absorvidas pelas florestas, toda edificação em concreto, cimento e aço desapareceu e o nome Oscar Niemeyer perdeu-se no esquecimento das Eras.
Desapareceram as cidades, pontes, estradas, os carros viraram pó de ferrugem e depois alimento para certas plantas, bibliotecas, discotecas, pinacotecas, inclusive um famoso quadro de Velasquez, perderam o sentido e qualquer significado que, outrora, pudessem ter.
Milhões de volumes da Bíblia Sagrada, Velho e Novo Testamento, foram rapidamente consumidos por traças ávidas, baratas vorazes e cupins implacáveis, seu ensinamentos perdidos, para sempre, naquilo que se designou chamar a poeira dos tempos.
Não mais se ouviu falar em tarifas e juros bancários, a corrupção foi varrida do planeta e a psicanálise entrou numa depressão profunda, que nem Freud conseguiu explicar.
O planeta Terra, devolvido assim aos seus habitantes, acompanhou o Universo em sua intransigente expansão, e nossos mares entraram novamente em ação, fazendo com que algas cruzassem com amebas gerando filhos curiosos com a luz lá de cima.
Os séculos passaram, a evolução seguiu seu curso e chegamos aos tempos atuais e a atual Civilização, constituída de um único povo.
Pesquisas arqueológicas e interpretações permitiram aos nossos sábios compreender um pouco daquelas pessoas que habitaram o Planeta até o dia em que se deu, como resolvemos denominar, a Grande Limpeza.
Morfológicas semelhanças entre nós e os desaparecidos, são notáveis, porém algumas diferenças são essenciais e uma delas fundamental, graças a qual podemos viver, construir e usufruir do planeta, em doce paz e permanente crescimento.
Todos os estudos comparativos permitem concluir que o ser humano varrido da face da Terra pela Grande Limpeza criou um complexo sistema de conquista, guerra, violência e ódio graças a um detalhe anatômico que a nova evolução suprimiu.
Com efeito, na nova raça humana que emergiu, após a Grande Limpeza, as mulheres não possuem hímen.
Última atualização em Qua, 19 de Dezembro de 2012 09:31
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