Colunistas - Paulo Wainberg

‘Le grand fracas’

Não há mais o que fazer e sobra pouco para pensar. O mundo está ficando cada vez mais distante da minha compreensão e, se um dia sonhei em mudá-lo, não era, com certeza para ficar como ficou.

Multidões formam fila para comprar um novo tipo de telefone celular.

Onde está o livro na mão das pessoas?

Em nome da democratização das artes, vulgariza-se o clássico, o belo é esquematizado e o gosto se dilui.

A celebridade é oca e não vai além de uma frase vazia e os gênios da raça se transformam, cada vez mais, em apelo popular.

A indústria cultural – flagrada pelo filósofo Adorno, cujo alerta foi pouco considerado – transformou-se em indústria da cultura, piorando o falso e fantasiando o vulgar, como se arte fosse para consumo, cultura fosse para citar frases de auto ajuda e bom gosto não passasse de eufemismo.

Não se vai escutar a voz e a música, vai-se ao show de luzes, cores, balanços eróticos e falsamente sensuais.

Não se exercita a imaginação e excita-se a fantasia.

Não se compra mais o livro, salvo se for uma saga destinada a virar filme, franquia ou série de televisão.

Não servem as conversas de bar, para mudar o mundo, a lei e a política como pano de fundo para ganhar a menina. A menina vai para o bar para enviar torpedo e o cara vai para o bar para encher a cara, fumar maconha, cheirar cocaína e desabar na calçada, envolvido no vômito da alienação.

Nada mais se estranha, tudo é possível e a solidão aumenta, dia a dia, em teclas impessoais que fazem tiques diferentes ou tocam músicas histriônicas, aptas a incomodar quem frequenta os elevadores.

Não existem mais a ilusão e o romantismo. Dorsos de mão não se roçam porque os dedos logo se pegam.

O olhar profundo foi substituído pelo olhar de malícia.

O subentendido ficou explícito.

Competitivo, gestão, eficiência, qualidade, desenvolvimento, crescimento e produto interno bruto, palavras que substituíram competição, cuidado, afeto, carinho, paixão e alegria.

Os governos não servem mais ao mundo e a humanidade serve aos governantes.

As ruas são de pancadas, feridas, ameaças, sangue, suor e lágrimas.

Onde estão as cadeiras na calçada, ao entardecer?

Onde estão as crianças jogando nas ruas, sem risco de serem atropeladas?

Ou raptadas?

Onde estão os casais de mãos dadas, os bancos de praça, as bandas do coreto, as luzes da cidade, o teatro da vida e o por-do-sol de verdade, tingindo de dourado o rosto dos apaixonados?

Quando uma imensa lua cheia surge aos meus olhos, mal posso olhar para não bater no carro da frente.

Por que os amigos já mal se suportam? E as festas de família, onde estão, trocadas que foram por eventos carnavalescos?

Onde está o idílio, palavra em total desuso?

L’amour é love, je t’embrasse’ é kiss you, mon chèr é outra coisa em inglês, sempre o inglês a apressar a vida, a reduzir o tempo, time is money c’ést pour ça qu’on vivre.

Resta a sensação de um grande fracasso, de um desabamento pessoal, da hecatombe, do fim do mundo, do apocalipse individual.

Última atualização em Seg, 17 de Dezembro de 2012 11:11
 

Eu também..


Tem gente que gosta de caminhar, eu não.
Tem gente que gosta de almoço de família em domingos, eu não.
Tem gente que gosta de sentar em bancos de praça, eu não.
Tem gente que gosta de sair, eu não.
Tem gente que gosta de bater papo, eu não.
Tem gente que gosta de chimarrão, eu não.
Tem gente que gosta de cozinhar, eu não.
Tem gente que gosta de ir ao cinema, eu não.
Tem gente que gosta de televisão, eu não.
Tem gente que gosta de gente famosa, eu não.
Tem gente que se preocupa com as críticas, eu não.
Tem gente que bebe muito, eu não. Tem gente que gosta de entrar no mar, eu não.
Tem gente que gosta de pular de paraquedas, eu não.
Tem gente que é louco por dinheiro, eu não.
Tem gente que gosta de carros, eu não.
Tem gente que gosta de gibis, eu não.
Tem gente que gosta de shows, eu não.
Tem gente que gosta de ir ao futebol, eu não.
Tem gente que gosta de qualquer coisa, eu não.
Tem gente que gosta de mim, eu não.

Tem gente que acha que eu sou um chato, eu também.

Última atualização em Sáb, 15 de Dezembro de 2012 06:08
 

Dez auto-ajudas que me ferraram

1.  Fechei os olhos, abri os braços e corri ao encontro da felicidade. Dei com a cara na parede.

2.  Estava agradecendo por tudo que recebi quando chegou o aviso do Serasa.

3.  Saudei o novo dia com um sorriso que durou dois dias, graças à uma câimbra buco-facial.

4.-  Fiz o bem sem olhar a quem e ajudei o ladrão a fugir.

5.  Quando me ofenderam, fiz que não ouvi. Me ofenderam de novo.

6.  Tratei meus amigos como irmãos. Todos brigaram comigo.

7.  Tratei meus negócios com amor. Meu amor me tratou como um negócio.

8. Deixei-me iluminar pela luz e peguei uma queimadura de terceiro grau.

9.  Fui sincero e leal e, todas as vezes, me passaram para trás.

10. Segui os caminhos da fé e me perdi completamente.

Última atualização em Ter, 04 de Dezembro de 2012 07:34
 

Enigma

Enxugar as lágrimas não é tarefa fácil, melhor deixá-las correr. Lágrimas que correm refrescam a tristeza, aliviam o abandono, desafogam a alma.

O choro é livre, eu sei, podemos reclamar à vontade, dar uma de bacana e ir chorar escondido, quase sempre no banheiro.

Vergonha das lágrima é vergonha de ser.

Os fracos não choram, se é que existem fracos.

Vi um filme que ainda não decidi se é bom ou ruim, começa com um enigma: O que o pobre tem, que o rico não quer e Deus não liga. Pensar na resposta, o pobre tem isto ou aquilo que o rico não deseja e Deus não liga. Resposta: Nada. Não há nada que o pobre tenha que um rico deseje e que Deus vá dar importância. Nada.

O verdadeiro enigma da Esfinge para Édipo está na premissa e não na proposta:

Decifra-me ou devoro-te, este é o enigma. Decifre a vida ou tua morte será inútil.

Passamos a vida em busca da solução de charadas, a principal é a própria vida. Quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Sem pensar na premissa, a vida, saímos em busca de respostas, uma delas é sempre a guerra.

O que é a vida? Não nos compete responder, a vida é Nada, a vida é Tudo, que diferença faz?

O que é o Infinito? Descreva uma cor, explique um barco que afunda, por que existe um barco?

O que é o que é que não tem começo nem fim? O infinito. O que é o infinito? Nada, ou tudo, tudo ou nada, que diferença faz?

Que nossas lágrimas escorram, livres e soltas, e cessem quando assim quiserem, sem nossa influência, sem nosso esforço para contê-las.

Choro de alegria, choro de tristeza, que diferença faz? Apenas choro.

Descreva o vento, a borboleta, o tigre e o fantasma que assombra seus sonhos.

Descreva o amor.

Descreva o tempo, o espaço, a distância e o movimento, cada um de cada vez.

Descreva Deus. Defina a existência.

Explique a falta que alguém me faz.

Decifre ou não a vida, ela vai te devorar.

 

Reino da dor

No Reino da Dor é onde se aprende a gemer. Porque nele não há remédio, a dor dói como uma afronta, uma provocação a dizer que no seu reino quem manda é ela e a você, cabe sofrer.

É no Reino da Dor que o voluntarioso se entrega, o inventivo se apaga e o maldoso entende com quantos paus se faz uma canoa.

No Reino da Dor se apela para tudo e qualquer coisa, mesmo no que não se acredita, e seus habitantes querem, a qualquer custo, mudar para reinos melhores, com os reinos da depressão, da tristeza ou qualquer outro, porque qualquer é outro é melhor do que o Reino da Dor.

No Reino da Dor a dor é constante e progressiva, aumenta e cresce  na mesma medida em que o humor piora, piora, até se transformar em mau.

Não ha beleza no Reino da Dor, nem sensibilidade para apreciá-la, porque toda a sensibilidade é refém da dor ardente, que maltrata o amante, o feliz e o crente.

Não se iluda, meu bem, do Reino da Dor só se sai sem ela ou morto.

Última atualização em Qua, 21 de Novembro de 2012 07:35
 


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