‘Le grand fracas’

Não há mais o que fazer e sobra pouco para pensar. O mundo está ficando cada vez mais distante da minha compreensão e, se um dia sonhei em mudá-lo, não era, com certeza para ficar como ficou.

Multidões formam fila para comprar um novo tipo de telefone celular.

Onde está o livro na mão das pessoas?

Em nome da democratização das artes, vulgariza-se o clássico, o belo é esquematizado e o gosto se dilui.

A celebridade é oca e não vai além de uma frase vazia e os gênios da raça se transformam, cada vez mais, em apelo popular.

A indústria cultural – flagrada pelo filósofo Adorno, cujo alerta foi pouco considerado – transformou-se em indústria da cultura, piorando o falso e fantasiando o vulgar, como se arte fosse para consumo, cultura fosse para citar frases de auto ajuda e bom gosto não passasse de eufemismo.

Não se vai escutar a voz e a música, vai-se ao show de luzes, cores, balanços eróticos e falsamente sensuais.

Não se exercita a imaginação e excita-se a fantasia.

Não se compra mais o livro, salvo se for uma saga destinada a virar filme, franquia ou série de televisão.

Não servem as conversas de bar, para mudar o mundo, a lei e a política como pano de fundo para ganhar a menina. A menina vai para o bar para enviar torpedo e o cara vai para o bar para encher a cara, fumar maconha, cheirar cocaína e desabar na calçada, envolvido no vômito da alienação.

Nada mais se estranha, tudo é possível e a solidão aumenta, dia a dia, em teclas impessoais que fazem tiques diferentes ou tocam músicas histriônicas, aptas a incomodar quem frequenta os elevadores.

Não existem mais a ilusão e o romantismo. Dorsos de mão não se roçam porque os dedos logo se pegam.

O olhar profundo foi substituído pelo olhar de malícia.

O subentendido ficou explícito.

Competitivo, gestão, eficiência, qualidade, desenvolvimento, crescimento e produto interno bruto, palavras que substituíram competição, cuidado, afeto, carinho, paixão e alegria.

Os governos não servem mais ao mundo e a humanidade serve aos governantes.

As ruas são de pancadas, feridas, ameaças, sangue, suor e lágrimas.

Onde estão as cadeiras na calçada, ao entardecer?

Onde estão as crianças jogando nas ruas, sem risco de serem atropeladas?

Ou raptadas?

Onde estão os casais de mãos dadas, os bancos de praça, as bandas do coreto, as luzes da cidade, o teatro da vida e o por-do-sol de verdade, tingindo de dourado o rosto dos apaixonados?

Quando uma imensa lua cheia surge aos meus olhos, mal posso olhar para não bater no carro da frente.

Por que os amigos já mal se suportam? E as festas de família, onde estão, trocadas que foram por eventos carnavalescos?

Onde está o idílio, palavra em total desuso?

L’amour é love, je t’embrasse’ é kiss you, mon chèr é outra coisa em inglês, sempre o inglês a apressar a vida, a reduzir o tempo, time is money c’ést pour ça qu’on vivre.

Resta a sensação de um grande fracasso, de um desabamento pessoal, da hecatombe, do fim do mundo, do apocalipse individual.

Última atualização em Seg, 17 de Dezembro de 2012 11:11  
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