Colunistas - Paulo Wainberg

Vida de aventura


Sou, como se diz, um aventureiro nato. Por exemplo, adoro entrar no quarto, na madrugada, na escuridão mais completa.
Até porque acender a luz seria uma descortesia com minha mulher, dormindo profundamente.
Assim que me aventuro pelo quarto sem nada ver, aproveitando cada tropeço, cada bicada, cada dor no dedinho, cada esbarrão em cadeiras até localizar, pelo tato dolorido do joelho, a cama.
Nela me esgueiro perigosamente, o risco de acordar a esposa é grande, meus movimentos são feitos com a lentidão de um molusco gosmento do tipo sem eira nem beira, encosto a cabeça no travesseiro, acomodo o corpo para o merecido descanso e é então que cometo o erro fatal cuja possibilidade é iminente em aventuras de alto risco.
Puxo o cobertor porque o split gelou o ambiente e é então que ouço a inevitável frase, vinda das profundezas do sono profundo da minha esposa:
- Dá pra deixar um pouquinho de coberta pra mim?
Como ela diz isto e continua dormindo, jamais soube se há alguma ironia, sarcasmo ou reclamação nessa frase, ou então ela está fazendo um singelo e carinhoso pedido.
Aventureiros como eu vivem assim, no fio da navalha, sujeitos aos imprevistos mais imprevisíveis. Sorte nossa que, habituados ao drama, condicionamos nossos reflexos para que atuem em proporções absurdas de rapidez e eficiência.
Solucionei o problema do cobertor determinando, com a voz de comando que me é habitual, que haja um só para mim, na cama.
Hoje em dia só uso o dela quando quero dormir abraçadinho.
Última atualização em Qua, 30 de Janeiro de 2013 12:56
 

Quando eu cantava


As teclas do meu piano endureceram e as cordas do meu violão romperam. Minha voz ficou rouca e não encontro mais a graça de outrora, de tocar e cantar.
Sobra-me, ainda, o gosto de ver e ouvir e nem sempre gosto do que vejo e ouço.
Eu cantava sempre, em casa, no bar, com os amigos.
O piano, tocava sozinho, acompanhado de um uísque e quando a casa estava vazia. Minhas músicas eram antigas, antigas hoje pois quando eu tocava e cantava, eram novas. Tom, Chico, Vinícius, Noel, Pixinguinha, Cartola, eu esquecia do mundo, sentado no piano de parede aqui de casa, bebericando o uísque e fumando meus cigarros.
Enquanto tocava – e errava muito pois só sabia de ouvido – sentia uma doçura interior que  se transformava aos poucos em sensação de paz, as carnificinas da mente deixando de mim, e entoava as letras que falavam da beleza de amar, da tristeza da saudade, da esperança na vida poesia e, na altura do diafragma subia-me uma quentura gostosa, maravilha das maravilhas, tudo era possível.
Ou então, usando cinco ou seis acordes do violão, cantava as canções de amor e de alegria, com minha voz feia, mas era minha. Eu podia cantar qualquer música com aqueles poucos acordes que eram suficientes, eu não queria mais do que os que tinha, bastavam para cantar.
Aprendi letras e posições nas revistas que comprava à rodo e que até hoje estão guardadas no interior da banqueta do piano.
No banho cantava ópera, árias da Carmen, LaTraviata, O Trovador e outras que ainda cavocam as emoções, no atual silêncio sob o chuveiro.
Era uma cigarra alegre, mesmo formigando e a fábula não me dizia respeito, eu gostava daquilo.
Perdi o gosto.
Última atualização em Sex, 25 de Janeiro de 2013 12:45
 

Cronica O Agente secreto


Terminava o último pedaço de pão com manteiga do café da manhã, mastigando adequadamente conforme o dentista ensinou, quando desabou sobre mim uma realidade tão intensa que quase desmaiei.
Percebi num átimo – tempo que levam as principais percepções – que não poderei ser um agente secreto.
Sim, o universo glamouroso dos espiões salvando o planeta, é inacessível para mim e o motivo é um só, porém determinante e definitivo: o telefone celular.
Imaginei a cena, depois de matar quatro assassinos profissionais, estou lutando para desativar uma bomba nuclear, faltam quarenta e cinco segundos para ela explodir, a linda espiã russa que já deixou claro que está a fim de mim está amarrada, em pânico, e eu ali, tentando decidir se devo cortar o fio vermelho ou o amarelo.
“Preciso de ajuda”, penso, e pego o celular no bolso do paletó.
É neste momento que a realidade invade a fantasia.
Não, não foi por causa da empregada que está cantando eu não sou cachorro não, bem alto, enquanto limpa o chão  com uma enceradeira barulhenta. Não, não foram os gritos da vizinha mandando o cachorro dela entrar imediatamente me deixando em dúvida se era mesmo o cachorro ou o marido dela.
Nada disso.
A realidade que invadiu minha fantasia foi outra, foi o momento de usar o celular.
Estou com ele na mão, minha testa molhada de suor, quinze segundos já passaram e:
a) Primeira Hipótese: O celular está sem carga, a mais provável pois estou nessa missão há uma semana e nunca botei para carregar.
b) Segundas Hipóteses: Como se faz para achar o nome de alguém nesta lista de contatos? Qual é o número de discagem rápida para o cara que sabe qual é o fio a ser cortado? O que significa essa frase na tela que diz wirless disponível? Onde está o lugar dos torpedos?
E, bum, a bomba explode e termina o filme.
Só de raiva como outro pão com manteiga e coloco o celular no carregador, vamos que um dia eu consiga atender esfregando todos os dedos na coisa verde que aparece na tela quando ele toca.
Sua Majestade Real terá que me perdoar, nunca estarei a serviço dela.
Concluindo meu exaustivo café da manhã, reflito sobre tudo e me ocorre que até hoje eu não acredito no funcionamento da televisão, mas minha neta acha que ela faz parte da natureza.
Última atualização em Qui, 24 de Janeiro de 2013 10:22
 

Pessimismo


Começar um texto com a palavra ‘não’ pode parecer pessimismo e, em geral, é. Ser pessimista é um pouco mais do que achar que nunca vai dar certo. O pessimista acha que nunca vai dar até quando deu certo.
Ele (ou eu, no caso) acredita firmemente no erro e quando alguma coisa dá certo significa que outra vai dar errado e, como ele é um pessimista, acredita muito mais no péssimo do que no bom.
Há anos, quantos anos seriam? Muitos, podes crer, me fizeram a pergunta cuja resposta não interessa ao perguntador: “E aí, como vai?”.
Sabendo que a resposta mal seria ouvida (como eu sabia? Ora, porque mal ouço a resposta quando faço a mesma pergunta), saiu-me pela boca como se fora uma cuspida esportiva: “Tirando o que está ruim, o resto está péssimo”.
Foi uma boa resposta porque o interlocutor, pronto para começar a falar dele mesmo, o que sempre fazemos ao perguntar ao outro como ele vai, ficou surpreso com a resposta, engasgou e não teve alternativa, sucumbiu e deu uma risada: “Boa essa… tirando o que está ruim o resto está péssimo”.
E foi-se ele, com cacófato e tudo, em busca do próprio destino pelo qual eu não estava menormente interessado, poupando-me de mais uma dose de chateação humana.
O pessimista é, em geral, um religioso ferrenho, cultiva o ruim com fervor e pratica os ritos indispensáveis para evitá-lo, sabendo que nenhuma força da natureza impedirá que ele se apresente:
“Se ninguém se encostar naquele poste até eu passar por ele, vai dar certo”.
“Se não tiver mais do que cinco pessoas na fila do banco, vai ter saldo na minha conta”.
“Se o primeiro carro que dobrar aquela esquina for uma van, hoje ela dá para mim”.
O pessimista sabe que se a aposta der certo ou der errado, o resultado de seus pleitos será o mesmo, ruim, porque a característica essencial do pessimista, além de ser azarado, é jamais aceitar o bom.
Pessoalmente eu creio que o pior pensamento do pessimista se dá quando ele encontra um otimista: “Coitado, ele não sabe o que o espera”. Como se isto fosse um desejo de que o ruim aconteça também para o outro.
Mas eu sei que não é um desejo. O pessimista de verdade não tem desejos, fantasias, ilusões.
O pessimista de verdade tem é medo.
Última atualização em Qua, 23 de Janeiro de 2013 09:38
 

Não há tempo para perder


Vem aí as férias e com elas a preocupação de nossa educativa coluna com o aprimoramento literário de seus leitores. Não que você precise, é claro, mas vamos que, por essas coisas da vida, você tenha trabalhado tanto que não lhe sobrou tempo para ler suplementos culturais de jornais e revistas especializadas. É para isto que estamos aqui: para atualizar você e sugerir-lhe as melhores leituras porque, mesmo em férias, não se pode perder tempo apenas com bobagens.

As férias são boas para isso: ler um bom livro, como dizem as pessoas quando respondem o que fazem nas horas de lazer ou nos domingos à tarde, depois da caminhada, almoço com a família e séstea: ler um bom livro.

Para que você, prezado leitor, querida leitora, não se estresse muito nesta época tão estressante, nem se irrite com seu cônjuge, namorado, companheiro ou affaire, proponho um roteiro abrangente, começando pelo primeiro passo que constitui em sair de casa e ir a uma livraria.

É fácil, você encontra uma em qualquer shopping ou aeroporto onde, seja qual for a livraria, os mesmos títulos estarão expostos ao seu consumo. Desista da idéia de esperar um telefonema do seu amigo livreiro que recomendava a você um novo livro que ele, antes de ligar, havia lido e achava, conhecendo você, que seria ótimo que você lesse: ele não existe mais. Hoje, quando alguém se arrisca a entrar em livraria, será recebido – se é que alguém, neste moderno mundo do “faça você mesmo”, vier receber você – por um balconista que lhe oferece os livros expostos com a desenvoltura e conhecimento de causa tal qual fosse, o livro, um par de sapatos, um quilo de salsichão bem temperado ou uma nova marca de camisinha de Vênus.

Mas você precisa ler, nestas férias e  contra tudo e contra todos, vai ler. Para evitar que você percorra os tortuosos e torturantes caminhos para encontrar o livro que deseja nas modernas livrarias é que vamos apresentar nossa lista de sugestões. Porque caso você dispense a ajuda do balconista dará de frente com intermináveis estantes com dorsos de livros expostos em ordem alfabética do sobrenome do autor. Não que eu ache ruim ficar de joelhos dentro de uma livraria e torcer o pescoço para achar o autor com sobrenome começando por “S”, “T” “V” ou “Z”, na fileira lá de baixo da estante, mas pode fazer mal à coluna ou ao pescoço. Muitos desavisados já saíram de livrarias com torcicolos muito dolorosos.

Allors… às indicações.

Ulisses, de James Joyce. Leitura leve, ideal para uma beira de praia com uma caipirinha. É um dos livros mais comentados e menos lidos de todos os tempos. Invés de ficar fissurado em bundas e sungas, leia Ulisses, ria e divirta-se com as peripécias do herói dublinense. Recomendo a leitura no original, você pegará o espírito exato do autor, ao contrário das traduções onde você fica a mercê dos complexos literários do tradutor.

Aeroporto de Arthur Halley é um livro indicado para os que preferem tirar férias na serra. Trata-se de um livro mais reflexivo, intimista, que exige do leitor profunda concentração. Você que gosta do silêncio mortal dos ambientes serranos, dos melancólicos finais de tarde recheados de mosquitos, terá a oportunidade de conhecer os dramas coletivos e individuais dos abnegados funcionários, pilotos e donos de restaurante que se dedicam, nos aeroportos, ao nosso bem estar.

O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint Exupéry. Se você ainda não leu, é o ideal para ocupar a totalidade de suas férias, sejam elas na praia, na serra ou simplesmente sem sair de casa. Saboreie cada palavra, cada frase, cada metáfora, leia e releia. No final de suas férias você estará apta, querida leitora, a vencer qualquer concurso de beleza.

A Peste de Albert Camus. Para você que gosta do campo e vai passar suas férias numa fazenda, nada melhor do que ler esta obra magistral. Trata-se de uma quase parábola ao avanço do Nazismo na Europa, narrando os episódios de uma cidade onde uma peste mortal se alastra. Gostoso livro, leve e abrangente, ideal para ler nos finais de tarde da campanha, naquele horário em que as minhocas se enterram, os urubus pousam, as galinhas relaxam, o sol está quase se pondo e você cogita de suicidar-se diante de tanto silêncio e paz.

As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Um ótimo livro para iniciantes, pode ser lido durante a balada ou a bordo de um cruzeiro.

OBRAS COMPLETAS DE OLAVO BILAC, do grande poeta de mesmo nome. Uma compilação excelente de poemas para os momentos de ócio e distração ao fim da qual você vai ver com quantos paus se faz um parnaso.

Os Sertões, de Euclides da Cunha. Recomendado para ler no dia seguinte ao término de Ulisses, na mesma praia com uma nova caipirinha.

Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcellos, excelente! Você pode passar as férias inteiras obrigando sua filha a ler o livro e brigando com ela.

A Metafísica, de Aristóteles para, entre um chope e outro, você tirar as dúvidas que sempre teve e nunca teve coragem de perguntar.

GAMIANI OU DUAS NOITES DE ORGIA, de Alfred de Musset, poeta romântico francês. Nesta pequena obra, o grande autor de Confession d’un Enfant du Siècle em que pela primeira vez foi utilizada a expressão “Mal du Siècle”, supera um desafio proposto a si mesmo: queria provar que era possível escrever um texto erótico-porno-poético. E o então secretário geral da Biblioteca de Paris venceu o desafio. Este é um livro espetacular para adolescentes no banheiro e mal chega às cem páginas. Após cada página o adolescente crava uma.

A Ilha da Tesoura, obra ainda não escrita mas que daria uma excelente paródia à obra de Stevenson que você, com toda a certeza, já leu.

A Bíblia Sagrada, obra universal encontrável em qualquer quarto de hotel. Excelente leitura antes das refeições, depois das refeições, antes de dormir, depois de acordar ou por puro desfastio.

A Comédia Humana, de Honoré de Balzac. Se você tirar trinta dias de férias, aí está a leitura perfeita: lendo um volume por dia, ao final das férias você quase terá terminado a obra.


Bem, estas sugestões estão aí, à disposição de todos, sem ironia. Ok, vá lá que seja, com um pouquinho só.

Quanto a mim, o sugeridor, já escolhi minha leitura de férias que não sei ainda se vou tirar e, se tirar, não sei aonde. Pensei no almanaque do Super-Homem, na coleção completa do Brucutu ou em todas as revistas da Mafalda, mas desisti.

Hoje mesmo fui à uma papelaria e comprei trezentas folhas de papel ofício. Depois entrei numa loja onde fazem isso e mandei furar as trezentas folhas e prendê-las com aquelas argolas ou espiral, sei lá, que fazem parecer um caderno. No momento em que entrar em férias sento numa confortável poltrona, numa agradável cadeira de praia, numa cadeira de balanço ou simplesmente deito numa rede, numa esteira e numa cama. Separo as folhas: cento e cinquenta para cada lado. Assim abertas, coloco sobre o meu rosto e só tiro para comer. Para beber vou usar canudinho.

Última atualização em Sáb, 19 de Janeiro de 2013 07:23
 


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