Quando eu cantava


As teclas do meu piano endureceram e as cordas do meu violão romperam. Minha voz ficou rouca e não encontro mais a graça de outrora, de tocar e cantar.
Sobra-me, ainda, o gosto de ver e ouvir e nem sempre gosto do que vejo e ouço.
Eu cantava sempre, em casa, no bar, com os amigos.
O piano, tocava sozinho, acompanhado de um uísque e quando a casa estava vazia. Minhas músicas eram antigas, antigas hoje pois quando eu tocava e cantava, eram novas. Tom, Chico, Vinícius, Noel, Pixinguinha, Cartola, eu esquecia do mundo, sentado no piano de parede aqui de casa, bebericando o uísque e fumando meus cigarros.
Enquanto tocava – e errava muito pois só sabia de ouvido – sentia uma doçura interior que  se transformava aos poucos em sensação de paz, as carnificinas da mente deixando de mim, e entoava as letras que falavam da beleza de amar, da tristeza da saudade, da esperança na vida poesia e, na altura do diafragma subia-me uma quentura gostosa, maravilha das maravilhas, tudo era possível.
Ou então, usando cinco ou seis acordes do violão, cantava as canções de amor e de alegria, com minha voz feia, mas era minha. Eu podia cantar qualquer música com aqueles poucos acordes que eram suficientes, eu não queria mais do que os que tinha, bastavam para cantar.
Aprendi letras e posições nas revistas que comprava à rodo e que até hoje estão guardadas no interior da banqueta do piano.
No banho cantava ópera, árias da Carmen, LaTraviata, O Trovador e outras que ainda cavocam as emoções, no atual silêncio sob o chuveiro.
Era uma cigarra alegre, mesmo formigando e a fábula não me dizia respeito, eu gostava daquilo.
Perdi o gosto.
Última atualização em Sex, 25 de Janeiro de 2013 12:45  
Copyright © 2011 Acontece Curitiba. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por LinkWell.