Colunistas - Paulo Wainberg

Gripe

Qualquer bobagem mais escandalosa do que as habituais, pode atribuir aos quase trinta e oito graus de febre que ora me acomete.

Em primeiro lugar preciso informar que gripe não é um estado de espírito nem um problema psíquico, surgido dos confins do inconsciente, da época em que minha mãe me dava injeção e me obrigava a tomar sopa.

Não, a gripe é um estado do corpo que se torna trêmulo e desconhecido, como se um estranho estivesse usando meus braços e pernas, o resto não adiante nem pensar.

É – e para mim sempre foi – uma doença avassaladora, eu que sou vil e fraco, quando gripado me supero.

Me abosto como diria o outro pois eu jamais diria coisa dessas.

Dou de mim, sucumbo, me arrío, não resisto nem tento resistir e nem precisa de febre, a gripe em si mesma, com tudo ardendo, escorrendo, molhando na parte dos narizes assados de tanto enxaguar e da garganta de tanto tossir e expelir coisas horrorosas que, no estado normal, nem imagino que existam dentro do meu eu.

Quando, como agora e desde ontem à noite, tenho febre, entro em delírio, não distinguo uma realidade da outra e tenho visões, mulheres aparecem e falam comigo e tenho a impressão de responder, as coisas se conectam e a aspirina com canja de galinha que volta e meia me trazem parecem vindas de um universo paralelo onde tudo se contorce, inclusive as minhocas.

Neste exato momento não tenho certeza de estar escrevendo este texto, não distinguo se é um sonho, uma inspiração ou um visual em três D, aliás nem sei como vim parar aqui.

Certos remédios que ingiro produzem efeitos colaterais estranhos, como o LSD por exemplo, outros me jogam em sono profundo, mas que me deixa acordado, sei lá, espero que minhas narinas assadas reajam bem a uma pomada de alguma coisa, porque além dos espirros catastróficos ainda têm que suportar corrimentos e os lenços de papel vão se acumulando em algum lugar e arranham minhas narinas, tão sensíveis que elas são.

Os ataques de tosse são formidáveis e mais não posso dizer, salvo que parecem nascer no fundo da minha alma, ganham força, avolumam e quando se manifestam meu peito, este peito tão querido, ardente e cheio de amor, arde, arde tanto que se uma brasa estivesse por ali, seria um refresco.

Não parece ser uma gripe A, já me disseram que não sou digno dela, é uma gripe do L para baixo, uma gripe sem nenhuma consideração, sem nenhum constrangimento, uma gripe vira-latas cujo principal pedigree é ser denominada de virótica, denominação que serve para qualquer coisa cujo início é desconhecido e cujo final é incerto.

Tenho certeza de que vou sair dela, aos poucos como sempre, minha expertise em gripes me garante.

Não, eu não sou do tipo de ficar resfriado, resfriado é coisa de fresco dizia meu avô sem saber do que estava falando.

Eu sou da gripe e não abro.

Última atualização em Qui, 13 de Junho de 2013 08:39
 

O café do futuro

Entrou no Le Dernier Café Avant Le Fin du Monde, na Avenue Victoria, em Paris.
Levado pela curiosidade, porque o nome do bar lembrava, claramente, os romances de Douglas Adamas, O Guia do Mochileiro das Galáxias, O Restaurante do Fim do Mundo e outros.
E também porque, na fachada, o bar indicava, entre outras atrações, um abrigo contra zumbis.
O bar era temático, não tanto quanto parecia do lado de fora, mais um café parisiense, lotado de jovens que, como se obedecessem a um comando superior, de repente saíam de suas mesas, deixando sobre elas bolsas, celulares e outras coisas, e iam fumar na rua.
Caminhou entre as mesas e, nos fundos do bar, emoldurada por lâmpadas sequenciais brancas que acendiam e apagavam, uma porta fechada chamou sua atenção porque nela, numa plaqueta como se anunciasse um detetive particular, estava anunciado: Machine du Temp. Entré sous votre responsabilité.
Sem hesitar, abriu a porta e entrou. Viu-se numa pequena sala dominada pela estátua do que parecia ser Saturno, aprisionado por seus anéis.
A estátua abriu a boca e falou:
-  Je suis Chronos, le dieu du temp. Pour quelle époque voulez-vous voyager?
Antes de poder responder, viu-se diante do bar, na calçada. Mal conseguiu se assustar porque, em seguida viu-se entrando no bar, exatamente como fizera minutos antes. E, poucos segundos depois, viu que ao seu lado estava ele, vendo um terceiro dele entrando no bar.
Entendeu que estava numa fenda do tempo, voltando sempre ao momento em que entrara no Último Café antes do Fim do Mundo e que, se não fizesse nada, estaria condenado àquele momento, recebendo a cada minuto a si mesmo, sendo remetido àquele momento e observando à si mesmo entrando no bar.
Quando seu quinto eu entrou no bar, foi atrás, entrou com ele na porta, viu seu quinto eu desaparecer e antes que a estátua de Saturno falasse, declarou:
- Je veux aller au future, 25 anées dans le future.
Mal pronunciou a frase e viu-se novamente na calçada, mas no lugar do Último Bar Antes do Fim do Mundo existia uma lanchonete com o nome Mcgrallburguers.
Olhou ao redor e viu que a placa da Avenue Victoria fora substituida por outra, onde se lia Quenn’ s Victory Avenue. Caminhou duas quadras em direção à ponte de La Île de la Cité e percebeu que ela agora se chamava City’s Island.
Parou diante de uma banca de jornais e percebeu que estava vinte e cinco anos no futuro. Percebeu também que todas as publicações expostas na banca estavam em inglês, uma única palavra em francês sequer.
O antigo Chatelet, premier arrondissement de Paris agora se chamava The Castle e, prestando atenção, notou que ninguém, em Paris, falava francês. O inglês era, agora, a língua oficial na França.
Lembrou-se do tempo em que falar inglês com um parisiense era uma ofensa quase mortal.
Pegou um táxi, última esperança francófila e pediu ao motorista, em francês, que o levasse a Monparnasse. O motorista respondeu:
- Sorry, I do not speak french.
Desesperado desceu do táxi. Estaria preso para sempre naquele tempo em que Paris se transformara num rápido e atordoante bairro americano ou inglês?
Como fazer para retornar ao passado, ao seu tempo quando o francês flutuava sobre Paris como uma melodia encantadora e imortal?
Voltou à atual Queen’s Victory Avenue e entrou na lanchonete onde, outrora, fora Le Dernier Café Avant Le Fin du Monde.
Caminhou em busca da porta dos fundos onde, agora, havia uma geladeira repleta de refrigerantes com nomes ingleses.
Sentou na banqueta, diante do bar e quando a garçonete veio atendê-lo, deu um sorriso triste e disse:
- One cheesburguer, please.
 

Basta

Negro é negro, bicha é bicha, lésbica é lésbica, judeu é judeu, nazista é nazista, ladrão é ladrão, político é político, Sarney é Sarney, racista é racista, burro é burro, miserável é miserável, Lula é Lula, patrão é patrão, dono de supermercado é dono de supermercado, esquerda é esquerda, reaça é reaça, pastor evangélico é falso, papa é papa, racista é racista, amante é amante, mulher infiel é mulher infiel, marido sacana é marido sacana, tesão é tesão, corno é corno, puta é puta e basta de politicamete correto.
Última atualização em Ter, 04 de Junho de 2013 08:10
 

Beleza e tristeza



Beleza e tristeza, uma rima antagônica, afrontosa e visceral.

Há quem veja beleza na tristeza, outros assistem tristeza na beleza, eu não pertenço a esta classe.

A beleza não pode ser triste, mesmo que a tristeza queira, solerte, se infiltrar, o belo há de a espantar, colocá-la no seu devido lugar e, o devido lugar da tristeza é triste e feio.

As teorias estéticas admitem a foto de crianças famintas no conjunto geral da beleza.

Eu não. Jamais acharei uma foto dessas bela. Acharei sempre triste.

As mesmas aleivosias estéticas sugerem que um grande amor, nascente ou vivido, apesar de belo, pode ser triste.

Eu não. Um grande amor é a beleza caminhando, a beleza em movimento, a beleza se fazendo. Se nele a tristeza se instala é porque o grande amor terminou ou, por culpa dos futuros amantes, sequer se instalou.

Um grande amor possível e que não começa é triste. E feio.

Beleza e tristeza, uma rima que deveria ser proibida.
 

Tudo é como tudo

A vida não é como uma loteria, a vida é como a vida.

A amizade não é como um vinho, a amizade é como a amizade.

O amor não como um sonho de paz, o amor é como o amor.

A paz não é como uma tarde no campo, a paz é como a paz.

A paixão não é como uma brasa ardente, a paixão é como a paixão.

A alegria não é o sorriso de uma criança, a alegria é como a alegria.

O beijo não é como uma carícia da brisa, o beijo é como o beijo.

Nada é como alguma coisa, nada é como nada.

 


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