Qualquer bobagem mais escandalosa do que as habituais, pode atribuir aos quase trinta e oito graus de febre que ora me acomete.
Em primeiro lugar preciso informar que gripe não é um estado de espírito nem um problema psíquico, surgido dos confins do inconsciente, da época em que minha mãe me dava injeção e me obrigava a tomar sopa.
Não, a gripe é um estado do corpo que se torna trêmulo e desconhecido, como se um estranho estivesse usando meus braços e pernas, o resto não adiante nem pensar.
É – e para mim sempre foi – uma doença avassaladora, eu que sou vil e fraco, quando gripado me supero.
Me abosto como diria o outro pois eu jamais diria coisa dessas.
Dou de mim, sucumbo, me arrío, não resisto nem tento resistir e nem precisa de febre, a gripe em si mesma, com tudo ardendo, escorrendo, molhando na parte dos narizes assados de tanto enxaguar e da garganta de tanto tossir e expelir coisas horrorosas que, no estado normal, nem imagino que existam dentro do meu eu.
Quando, como agora e desde ontem à noite, tenho febre, entro em delírio, não distinguo uma realidade da outra e tenho visões, mulheres aparecem e falam comigo e tenho a impressão de responder, as coisas se conectam e a aspirina com canja de galinha que volta e meia me trazem parecem vindas de um universo paralelo onde tudo se contorce, inclusive as minhocas.
Neste exato momento não tenho certeza de estar escrevendo este texto, não distinguo se é um sonho, uma inspiração ou um visual em três D, aliás nem sei como vim parar aqui.
Certos remédios que ingiro produzem efeitos colaterais estranhos, como o LSD por exemplo, outros me jogam em sono profundo, mas que me deixa acordado, sei lá, espero que minhas narinas assadas reajam bem a uma pomada de alguma coisa, porque além dos espirros catastróficos ainda têm que suportar corrimentos e os lenços de papel vão se acumulando em algum lugar e arranham minhas narinas, tão sensíveis que elas são.
Os ataques de tosse são formidáveis e mais não posso dizer, salvo que parecem nascer no fundo da minha alma, ganham força, avolumam e quando se manifestam meu peito, este peito tão querido, ardente e cheio de amor, arde, arde tanto que se uma brasa estivesse por ali, seria um refresco.
Não parece ser uma gripe A, já me disseram que não sou digno dela, é uma gripe do L para baixo, uma gripe sem nenhuma consideração, sem nenhum constrangimento, uma gripe vira-latas cujo principal pedigree é ser denominada de virótica, denominação que serve para qualquer coisa cujo início é desconhecido e cujo final é incerto.
Tenho certeza de que vou sair dela, aos poucos como sempre, minha expertise em gripes me garante.
Não, eu não sou do tipo de ficar resfriado, resfriado é coisa de fresco dizia meu avô sem saber do que estava falando.
Eu sou da gripe e não abro.