Colunistas - Paulo Wainberg

A dor de uma saudade


Saber quanto dói uma saudade parece coisa de filme americano, mas parece coisa da vida real, também.

Por melhores que sejam as lembranças, nada gera sensação maior de impotência do que a saudade, salvo a própria impotência, eu acho.

Você recorda aqueles tempos felizes e quer voltar a eles e não dá. Você lembra do amor juvenil, do amor adolescente, do amor adulto, você recorda o primeiro beijo e o primeiro toque a valer, quer sentir aquilo de novo, e não dá.

Saudade é a memória em ação, querendo levar o presente para trás, querendo trazer o passado para cá.

Saudade dói porque você nada pode fazer com ela, nem mesmo esquecê-la, portanto resta conformar-se com o paraíso perdido e tratar de viver o paraíso presente.

Você faz isto e não encontra nenhum paraíso no presente e então a saudade retorna, doendo como nunca, deixando você impotente, melancólico e sem nenhuma noção de realidade, porque se você pensar bem, aquilo que lhe provoca tanta saudade não era, absolutamente, nenhum paraíso.
Última atualização em Ter, 21 de Maio de 2013 10:55
 

O perdulário e a balzaquiana


É divina a comédia da paixão entre um perdulário e uma balzaquiana. O perdulário é qualquer um que gasta mais do que tem e a balzaquiana, bem, a balzaquiana é o desejo concreto, permanente e obscuro de todo o perdulário.

Quer, o perdulário, gastar o que não tem, endividar até a quarta geração, para alegrar a balzaquiana que, em troca, não precisa mais que existir.

A balzaquiana, antiga e ex mulher de trinta anos, é a mulher adulta e, embora algumas correntes afirmem que as mulheres nascem adultas, o perdulário é fascinado pela adulta real, a mulher a mais de vinte e cinco.

Não que o perdulário pense que compra suas balzaquianas, não. Ele quer agradar a sua, ainda que ela seja prudente, econômica, pés no chão e realista.

Porque a balzaquiana não escolhe o seu perdulário pelo que ele tem, pelo que ele gasta e pelo que ele pode gastar.  A balzaquiana escolhe o seu perdulário por amor, por intimidade, por compreensão, por tesão e por carinho. Para ser o pai de seus filhos. Para viver o resto da vida com ele.

A maioria dos perdulários acha, ingênuos, que escolheram suas balzaquianas quando, qualquer criança sabe, foram escolhidos por elas.

É fulminante quando o perdulário percebe uma balzaquiana interessada nele, afoga-se na própria vaidade, eleva-se ao píncaro da glória e torna-se apaixonado direto, intransitivamente atira-se e, porque pensa que só assim agrada, coloca-se, corpo, alma e fortuna, de joelhos e ao dispor.

É divina a comédia entre o perdulário e a balzaquiana. Para desfrutá-la basta colocar-se como observador autônomo, imparcial e independente.

É fácil, basta ser Balzac.


Última atualização em Sex, 10 de Maio de 2013 08:14
 

Apaixonado


Um bom dia apaixonado, e já vou avisando, quando estou apaixonado sai de perto porque ninguém me segura, sou mais eu e não abro.


Minhas paixões são relampejantes, costumam durar o tempo de um relâmpago e fazem o barulho de um trovão à distância.

Quando fico apaixonado nenhuma significância lacaniana, nenhum inconsciente freudiano, nenhuma explicação neurolinguística é capaz de ofuscar meu holofote que ilumina a estrada mais escura, a noite mais negra, o buraco mais fundo.

Quando estou apaixonado nem me interesso pelo significado da vida e bombas terroristas são assunto alheio.

Quando estou apaixonado, sigo-me, persigo-me, conjugo-me, chovo-me, quero-me com a força e a intensidade jamais atingida, inatingível pela própria natureza, como quem sai de dentro sem ir para fora, como quem acaricia sem fazer um gesto, como quem beija sem mover os lábios.

Quando me apaixono derrubo as esperanças alheias, surfo em meu sangue quente, mergulho nos meus fluidos mais doces e suaves e transformo meu olhar num raio que irá atingir, ao longe, quem não está preparado para mim.
Última atualização em Ter, 23 de Abril de 2013 13:47
 

Corpo


Quando meu corpo cansado não pode mais se movimentar, eu olho de lado, me ponho a pensar no que fiz no passado, eu olho para baixo, me ponho a pensar no que faço no presente, eu olho para cima, me ponho a pensar no que fazer no futuro.

E nada vejo.

Meu corpo cansado de guerra, abatido, aturdido, sem sonhos para revelar, eu fico na estante, parado, pregado, um estrago que não se pode reparar.

E quando não sobra nem resto do resto para me alimentar, minha fome se estende para frente e para trás, sem sede, sem dentes para mastigar.

O espelho quebrado me diz que a verdade é pouco salutar, falta uma melodia para me acompanhar, meu corpo cansado, ferido de guerra, aturdido e gemido, não tem mais ouvidos para escutar.
É tarde da noite, meu corpo cansado, dorido de guerra, doído de choro não quer resolver nenhuma parada, amor insensato que teima em fugir, não chama, sem chama, alquebrado a chorar.

Sem eira, sem beira, meu corpo gelado não volta a suar, não vê um repente, uma luz, um luar. Meu corpo tão triste, vazio e sem ar.

Mais tarde, sentado na beira do poço, meu corpo vencido de tanto apanhar, olhando a cidade no fundo da alma sem graça, nem cogita levantar, nem abraçar, nem dançar.

São letras sem rumo que chovem no mar, o silêncio absurdo, nuvens a remar, seqüelas de um corpo malhado de fel, nem penso em parar, nem andar, nem ficar.
Meu corpo sem sombra, sem rede no mar, o vento não toca, a brisa não sente, meu corpo tão triste não voa no chão.

E quando a criança, lembrança, esperança, meu corpo sem sede não quer alcançar, sozinho, na lama, no barro a chorar.

Meu corpo sofrido, tão velho e sem tom, olhando o inverno, o inferno, a lenda da morte ecoando na areia, um pássaro gentil me manda um gorjeio, um cão com fastio, um gato no cio, um centauro sem patas, um monge senil, meu corpo esgotado, pilantra, não sente o arrepio
.
Ah, meu corpo atordoado, traído e traidor, abandonado ao sabor de borboletas escusas e lagartos obscuros.

Meu corpo vergado não quer mais cantar.


(Foto retirada da internet para ilustração) 
Última atualização em Sex, 12 de Abril de 2013 14:08
 

Ninguém gosta de ouvir


Duvido, mas duvido mesmo, que algum homem jamais tenha utilizado serviços de uma prostituta. Mesmo que tenha sido uma unzinha vez, numa casa de tolerância (puteiros) que prefiro chamar de casa de intolerância, com uma das de rua, para um boquete dentro do carro ou uma de programa, chamada pelo telefone.

Em algum momento da vida de um homem, por curiosidade, por necessidade ou apenas para contar para a turma, ele pega uma garota de vida fácil e vai direto aos fatos.

Vida fácil é uma expressão a mais, a sustentar a inesgotável hipocrisia social e para sublimar o desejo reprimido de algumas mulheres de boa família (não todas) de, um dia, dar por dinheiro.

A minha dúvida não é terminal, talvez você seja um que jamais tenha feito isso mas vai ser difícil me convencer de que você está falando a verdade.

Se a minha premissa é verdadeira – e acho que é – como justificar que o prefeito de Nova Iorque tenha sido obrigado a renunciar por causa de uma prostituta, lindíssima por sinal, com quem desfrutou momentos pagos de sexo?

Abstraindo a questão da hipocrisia que os Estados Unidos cultivam como um imenso pomar de rabanetes (ou nabos), a única explicação consiste no fato de o Prefeito ser casado, embora, aparentemente, sua esposa tenha perdoado o erro.

Uso o exemplo para colocar a você uma questão transcendental que se aplica às relações entre homens com mulheres, homens com homens e mulheres com mulheres: Amor e Sexo.

É possível amar sem sexo? É possível sexo sem amor?

À segunda pergunta respondo, sem pensar, que sim. Desconheço qualquer estatística, mas aposto que a maioria das relações sexuais dispensam o amor e satisfazem necessidades e desejos puramente físicos, se esgotam em si mesmas, quase sem deixar marcas ou conseqüências, dependendo dos cuidados que você tomar.

Acho também que, de uma relação sexual pode surgir um grande amor, uma paixão intensa, um gostar para toda a vida.

Agora, amor sem sexo? Como é isso? De que tipo de amor estamos falando? É possível que um casal se ame, se curta, se adore, não consiga viver um sem o outro e, sexualmente, vivam insatisfeitos?

Sinceramente, acho que sim.

Não quero ser mais vulgar do que já fui, no início da crônica, mas às vezes temos que usar as palavras certas na hora certa: Tesão entre casais é uma coisa que diminui, diminui e, mais cedo ou mais tarde, acaba.

Não estou falando da questão hidráulica que envolve lubrificação, ereção, sucção e respingos. Isso é fácil de conseguir, basta apertar os botões certos, as reações físicas acontecem e, ao final, quando cada um vira de lado na cama, resta a tesão insatisfeita, um desejo residual e a falta, muito sentida, da exaltação, do orgasmo contundente, aquele que você conseguia anos atrás, com a mesma parceria.

Foi-se.

Falo de quando você está num lindo lugar, desfrutando as maravilhas da natureza, os confortos e as mordomias, satisfeito com o que está acontecendo e, ao mesmo tempo, sentindo falta da respiração ofegante, da aceleração das batidas do coração, sentindo falta da… paixão.

Você se pergunta: Onde está a tesão?

Você se consola: Aqui está muito bom mas… e a tesão?

Quem, eu pergunto, quem já não passou por isso?

Aquele seu conhecido que, há muito, atrai você, se estivesse ali, no lugar do seu parceiro, não faria seu corpo tremer?

Aquela garota a quem você olha todos os dias, de olhos grandes e lindas pernas, que serve seu almoço no restaurante, se estivesse ali, não seria uma grandeza? Uma loucura?

Acho, palavra de honra, que é hora de mudarmos nossos conceitos de fidelidade. A fidelidade não pode ser incondicional, há milênios que a humanidade sofre por causa disso. Devemos ser fiéis ao que sentimos e não cobrar fidelidade pelo que se esgotou em nós.

Acredite ou não, concorde comigo ou não, delete esta crônica, responda com indignação ou me ignore completamente, não adianta, você não vai escapar dessa: A melhor coisa que há no mundo é amor com sexo. Mas que é possível um sem o outro, juro pelas almas de todas as prostituas vivas ou mortas, pelos amantes de toda espécie, ordem ou natureza, que sim, é.

Última atualização em Qua, 03 de Abril de 2013 09:03
 


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