Vida de aventura


Sou, como se diz, um aventureiro nato. Por exemplo, adoro entrar no quarto, na madrugada, na escuridão mais completa.
Até porque acender a luz seria uma descortesia com minha mulher, dormindo profundamente.
Assim que me aventuro pelo quarto sem nada ver, aproveitando cada tropeço, cada bicada, cada dor no dedinho, cada esbarrão em cadeiras até localizar, pelo tato dolorido do joelho, a cama.
Nela me esgueiro perigosamente, o risco de acordar a esposa é grande, meus movimentos são feitos com a lentidão de um molusco gosmento do tipo sem eira nem beira, encosto a cabeça no travesseiro, acomodo o corpo para o merecido descanso e é então que cometo o erro fatal cuja possibilidade é iminente em aventuras de alto risco.
Puxo o cobertor porque o split gelou o ambiente e é então que ouço a inevitável frase, vinda das profundezas do sono profundo da minha esposa:
- Dá pra deixar um pouquinho de coberta pra mim?
Como ela diz isto e continua dormindo, jamais soube se há alguma ironia, sarcasmo ou reclamação nessa frase, ou então ela está fazendo um singelo e carinhoso pedido.
Aventureiros como eu vivem assim, no fio da navalha, sujeitos aos imprevistos mais imprevisíveis. Sorte nossa que, habituados ao drama, condicionamos nossos reflexos para que atuem em proporções absurdas de rapidez e eficiência.
Solucionei o problema do cobertor determinando, com a voz de comando que me é habitual, que haja um só para mim, na cama.
Hoje em dia só uso o dela quando quero dormir abraçadinho.
Última atualização em Qua, 30 de Janeiro de 2013 12:56  
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