Inútil nostalgia

Eu adorava filhoses. Quando tinha filhoses em casa eu me empanturrava. Hoje não tem mais. Filhoses viraram Wafles, sem o gosto de filhoses.

E o mil-folhas, onde foi parar? Aquele creme que escorria pelos lábios melecando o pescoço, coisa que sempre odiei. Mais velho, apreendi a não me lambuzar. Mas não há mais mil-folhas, não tantos quanto havia.

O mundo era tão simples que comer uva com melancia criava uma pedra no estômago que matava em meia hora.

Entrar no mar logo depois do almoço? Congestão e morte certa. Esperava-se três horas.

Era tão simples ouvir a novela no rádio e adormecer antes do fim do capítulo. Quando tinha filme de terror na matinê era a glória suprema, só perdia para o John Waine e o Alan Ladd.

E trocar gibis no cinema era simples demais. Ia com os lidos e trocava pelos não lidos.

Uma aventura! Simples.

Era simples caminhar nas ruas à noite, só cachorros atrapalhavam, cachorros de rua, vira-latas que rosnavam à passagem, mas jamais atacavam.

Mas dava medo. Um medo simples.

Era simples enfocar o banho e viver com a sola dos sapatos furada, devido ao futebol na calçada.

Tênis só nas aulas de educação física, os mais duráveis eram os guides, quase uma botinha.

Era tão simples viver apaixonado pela colega de aula, cada semana uma, sem jamais ser correspondido.

Como era bom comer as empregadas domésticas e depois pegar gonorréia ou chato, o difícil era contar em casa onde nos obrigavam a tomar sulfa.

Pilicilina para gripes tinha que ser injeção e doía muito, era simples também, mas um horror, aquelas agulhas rombudas e fervidas e o líquido entrando no músulo e quase paralisando o braço. Ou incomodando dias, cada vez que se sentava.

Ah a caxumba, as bochechas inchadas e uma semana na cama, sem precisar ir à aula.

Lembrei dessas coisas ontem, quando fui botar gasolina e comprar um refrigerante numa loja de conveniências.

Última atualização em Sex, 02 de Agosto de 2013 13:11  
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