O último copo de quebrei, lembro como se fosse ontem, foi ontem. Escorregou-me da mão o ingrato, como se fora uma nota de cem, e espatifou-se com glória, espalhando cacos no piso e pondo a perder todo o seu vazio interior, eis que nele ainda não havia posto líquido.
Sentei na cadeira para meditar sobre o ocorrido e observar as estranhas circunstâncias que os estilhaços produziram na minha vizinhança, alguns luminosos, outros maiores, todos ameaçadores.
Analisei a metáfora que se punha, ao vivo, diante dos meus olhos, um copo vazio estilhaçado perdendo subitamente o sentido de sua existência, transformado em outra coisa, um corpo devorado por vermes, uma lâmpada queimada, um foguete espacial sem gasolina, eu ali sentado.
Calculei metaforicamente que o todo anterior se transformou em dezenas de todos posteriores, cada um destinado a outras plagas, outros cantares e concluí que antes de ser copo, o copo quebrado fora outro ser de origem suspeita destinado a ser copo.
Embrenhei-me no raciocínio e caçoei de mim, que antes de ser eu era outra coisa destinada a ser eu e ali estava, em definitivo, a explicação inútil para o sentido da vida, transformar-se em cacos e estilhaços.
Mais tarde, bem mais tarde, lembrei da razão de ter pegado aquele copo e do que pretendia colocar nele. Agora não adiantava mais. Estava tudo perdido.
Com resignação, ergui da cadeira, peguei a vassoura e a pá, recolhi os cacos e estilhaços e joguei no lixo, o legítimo destino final dos copos quebrados.