Trote

- Alou?

- Quem está falando?

- Lucineide. – respondeu ela, o que já era um erro.

- Você está sabendo?!

- Sabendo do quê?! – preocupou-se. A voz masculina do outro lado parecia aflita.

- Ai, meu Deus...Eu não sei nem como te dizer!

- Com quem está falando?

- Você está sabendo quem morreu?

- Não! Meu Deus, quem morreu?

- Eu tenho até medo de falar...

- Fala logo!

- Você vai ter que ser forte!

- Eu estou preparada!! Quem morreu?!!!

- O Elvis Presley.

 

Silêncio por alguns segundos, Lucineide permanece em estado de choque. Não pela “novidade”, evidentemente, mas pela brincadeira de extremo mau gosto.

 

- Seu vagabundo!

- Eu só soube agora, dona Lucineide! – forçou o choro, o engraçadinho. – Ele tinha tanto ainda pra viver! Ele...

- Seu filho da...

(tu...tu...tu...tu... )

 

 

Paulino era assim. Um sacana. Tinha cinco aninhos quando passou seu primeiro trote telefônico. Mas não ficava só nisso.

Sua brincadeira favorita era deixar um pacote embrulhado na frente da casa das pessoas. Tocava a campainha, saia correndo e ia se esconder onda dava pra espiar a pobre da pessoa abrindo o “presentão” e vendo seu escatológico conteúdo:

 

Aproximadamente 100 gramas de bosta de cachorro.

 

Aos doze anos, Paulino partiu para coisas mais pesadas.

Encher de cola a cadeira da professora.

Amarrar rojão em rabo de cachorro.

Escrever poema de amor pra garota mais feia do colégio, enchendo o coração da pobrezinha de esperança. Assinando o nome de outro menino, é claro.

Ir no orelhão passar trote na polícia.

Passar trote nos bombeiros.

Passar trote na igreja.

Passar trote na própria mãe.

 

Ninguém da família sabe, mas a avó de Paulino enfartou por culpa dele. A brincadeirinha inocente dele foi se esconder debaixo da cama da vó e imitar a voz do falecido avô às três da manhã.

Foi demais pra dona Candoca.

 

E daí você pode até pensar: “Bem, são coisas de criança. Uma criança escrota, é verdade, mas um dia todo mundo cresce e essas travessuras ficam pra trás”.

Com Paulino não foi assim.

Aos vinte, aos trinta, aos quarenta anos, foi se tornando cada vez mais viciado em trotes e todo tipo de brincadeira a custa do desespero alheio.

Sua capela sistina foi não aparecer no dia do próprio casamento. Sim, pois o pedido de noivado, as declarações de amor, o namoro de cinco anos, as flores, os carinhos, a perda da virgindade dela, tudo era apenas parte do plano para o “grande dia”, não aparecer no altar e mandar no seu lugar um entregador de pizza.

Só que aí a coisa toda foi ao extremo. A pobre mulher se sentiu humilhada e cortou os pulsos.

Quando Paulino soube, parou de rir. Finalmente, a vida não parecia tão engraçada assim.

Ela não morreu, mas Paulino havia morrido por dentro. Ao menos era essa a impressão que ele passava para as pessoas. Por “pessoas’, entendam-se colegas de trabalho, parentes e vizinhos, pois Paulino não tinha mais amigo algum desde que ficou claro o quanto ele era...Bom, vamos dizer que um “brincalhão”.

E ele sumiu do mapa. Desapareceu por dias e os comentários aqui e acolá eram de que Paulino havia se retirado para pensar nas próprias besteiras, refletir sobre a vida, quem sabe voltar um novo homem.

Mas quando não se soube notícias dele por semanas, a família começou a ficar preocupada.

Detestavam Paulino, mas daí a desejar que algo de ruim tivesse acontecido com ele...

 

(trrrrriiiiiiiim)

- Alô?

- Dona Sandra Velenize Soares de Almeida Sá?

- Sim.

- Aqui é do hospital Santa Brígida da Conceição.

- Na cidade vizinha?

- Sim senhora. O senhor...O senhor Paulino de Almeida Sá é parente seu?

- Sim...É meu filho! Aconteceu alguma coisa com ele?

- Lamentamos informar...mas seu filho sofreu um acidente de carro.

- Ele está bem?

- Ele faleceu durante a manhã.

(...)

- Alô?

 

Foi um choque para todos. Até a ex-noiva, aquela que havia surtado e tentado o suicídio, até ela lamentou.

Ninguém soube explicar porque Paulino estava dirigindo numa velocidade tão absurda. Podiam apenas supor que ele estava arrependido de toda uma vida de sacanagens.

Sua alma pisou fundo no acelerador.

O que se soube com certeza é que seu carro ficou destroçado ao colidir contra um muro de pedra na rodovia da morte.

O velório teria que ser com caixão fechado.

E lá estavam todos, próximos ao caixão, fazendo suas preces decoradas. A noiva estava lá, com ataduras nos pulsos. E foi ela mesma que, num rompante, surtou novamente e passou a gritar que:

 

- Não aceito! Não aceito! Eu amava este canalha!

 

Pediram para ela se acalmar. Imploraram. A ex-sogra armou-lhe um bofetão na face. Ela urrava e soluçava cada vez mais alto enquanto desfazia suas ataduras e dava dentadas no pulso esquerdo.

Foi um frenesi. Uma balburdia que só começou a abrandar quando aceitaram o pedido da noiva: que pelo menos abrissem à tampa do caixão e deixassem-na olhar para o rosto do amado uma última vez. Mesmo que fosse um rosto grotesco, destroçado, ela precisava dessa imagem.

Depois, ele poderia partir em paz. E ela, viver. Quem sabe.

Abriram o caixão.

 

Tinha um cocô dentro.

 

 

Diego Gianni

(14/07/2011)

 
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