Santo

Rutênio, velho pelo próprio nome.

Alguns nomes não se desgastam com o tempo. Outros, envelhecem no decorrer da vida. Mas Rutênio é o tipo de nome que traz uma carga de velhice logo nos primeiros anos da pessoa.

Para este Rutênio em questão, o nome lhe caiu como uma luva.

Já adulto, homem feito, nunca teve vergonha de esconder o quanto era sofrido. Sua infância não havia sido “bolinho”, para também usar uma expressão desgastada pelo tempo.

Seu pai era agricultor, criatura que dependia da boa vontade do tempo para plantar, colher e comer.

Em alguns dias simplesmente não havia o que comer. Fim da discussão.

Rutênio não chorava de fome, não lastimava por coisa alguma. É que não é incomum que na meninice os filhos se espelhem em seus pais.

A mãe de Rutênio era chorosa, mas do tipo que chora pra dentro, de mansinho, sem fazer alarde. Carregava sempre aquela face de mulher sofrida, e com essa máscara compulsória foi até os trinta e tantos anos - quem diria que tuberculose ainda mata.

Gota d água que escorre sozinha não cresce em rio seco e Rutênio não chorou, porque o pai não chorou.

O rosto do pai era pétreo. Podia ter mil e um demônios gritando dentro dele e ele pouco fazia caso. Já não era fácil ter que lidar com a vida, que fosse então pro diabo as coisas da além vida, que Deus é que nunca mostrara a cara para afagar-lhe o ninho de cabelo e dizer: “calma que a peleja é brava, mas a recompensa é grande”.

Coração duro também se apaixona, nem que seja por convencionice. Aos vinte e alguma coisa Rutênio se casou com uma mocinha que sabia sorrir, olha só que novidade engraçada. Foi com a esposa para a capital se arranjar por lá.

Nos anos que seguiram trabalhou em construção, peão de obra, chão de fábrica, e por fim chofer de táxi, ofício que vingou até o final da coisa toda aí que eu tenho que escrever que é vida.

Era um esposo, adivinhem, duro, não no sentido sacana da palavra. Tratava a mulher como o pai tratara a mãe. Sem gestos tolos de romantismo, mas colocava a comida na mesa.

E a história que até agora não traz nada de novo, posto os milhões de rutênios que existem na terra da ordem e do progresso, desvia para a boca da idosa Eunice, que veste luto há mais de mês e diz algo como...

Rutênio era...Rutênio era...

Por quantas vezes memórias desmemoriadas moldam uma vida que não foi?

É que conforta mais imaginar que esta ou aquela pessoa foi feliz.

Olha lá, a viúva diz de boca cheia:

Rutênio era um santo!

Coisa nenhuma.

Rutênio era apenas Rutênio.

E fim da história.

 

Diego Gianni

(03/08/2011)

 
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