Mas é o diabo

Dizem que pelo menos uma vez por ano, Deus e o diabo se reúnem numa conferência da ONU celestial. Uma coisa chatíssima, porém necessária.

O tinhoso, como sempre, tenta fazer ouvir sua áspera voz entre os anjos gordos e enfadados, que bocejam a cada frase mais longa e repleta de pompa dada pelo capeta.

Isso, naturalmente, deixa o diabo muito puto.

 

- Eu exijo respeito, seus merdinhas! Estou nesta *&%$ deste cargo desde que o mundo é mundo!

 

Como costuma acontecer, Deus pede paciência e faz um sinal discreto para os anjos, como quem diz: “deixa o coitado falar”.

 

- A parada é a seguinte! – urrou o coisa ruim olhando diretamente pra Deus. – Ou você me arruma um belo dum marketeiro, ou a coisa vai apertar pro teu lado!

- O que te sucede, criatura? – perguntou Deus, em sua infinita paciência que ia até a página dois.

- Ninguém mais acredita em mim! – choramingou. – Estou ficando desmoralizado. A moda agora é culpar o aquecimento global! Eu vou mudar meu nome pra aquecimento global!

- Vem comigo, esquentadinho. – limitou-se Deus a dizer.

- Pra onde? Não diga que vai me levar pra uma cabana!

 

Levou foi lá pro Norte do universo, num salão bem amplo com um vitral imenso pelo qual podiam enxergar toda a humanidade ao mesmo tempo.

 

- Está vendo isso? – perguntou Deus. O diabo olhou com atenção, tentando sacar qual era a do onipresente. Odiava fazer papel de bobo.

- Estou. – mentiu o demo, mas logo corrigiu com embaraço. – Não, não estou. O que é?

- O mesmo de sempre. Guerras, fome, Justin Bieber.

- Sim. Graças a Deus.

- Graças a Mim?

- Maneira de dizer. Qual é o ponto?

- A questão é que todo o mal que existe na humanidade é feito pela própria. Você é apenas uma figura simbólica. Sempre foi.

- E quanto a você? Por acaso todo o bem que existe na humanidade também não é feito pela própria?

- Oh, sim. – sorriu Deus. – E sempre me sinto orgulhoso.

 

O diabo ia retrucar, mas engoliu em seco. Sempre perdia as pelejas com Deus, fosse qual fosse o assunto. Pra não dar o braço a torcer, mudou o rumo da conversa.

 

- Viu que ontem o Rogério Ceni marcou seu centésimo gol?

 

Resignado, o diabo voltou para o quinto dos infernos e comentou com a esposa:

 

- Minha vida é um inferno.

- Bingo! – debochou a sogra enquanto sacudia a cauda.

 

O belzebu ia soltar uma labareda de fogo no rabo da véia, mas eis que bem na hora o carteiro chegou.

 

- Céu-dex! – gritou ele, jogando um pacote aos pés do diabo, que curioso, abriu na hora com uma risadinha infantil.

 

Era um bilhete simpaticamente irônico de Deus. Uma única frase, escrita em linhas tortas:

 

Você já pensou que é hora de descansar?

Com amor

Eu

- O que tem aí dentro? – perguntou a esposa, já percebendo a zanga do marido.

- Propaganda de um asilo. – murmurou o diabo, que depois passou o resto do dia resmungando que só por Deus, só por Deus mesmo!

Diego Gianni

(28/03/2011)

 
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