Lágrima

Eu perdi minha alma.

O amigo riu do comentário. Sabia mais do que ninguém o quanto seu melhor amigo era dramático. Deu corda:

- Então você nasceu sem alma.

- Não disse que nunca tive. Disse que perdi.

- E perdeu como?

- Não sei. Em algum momento eu...Não sei. Não lembro quando foi a última vez que eu chorei.

- Deixa disso. Não existe este negócio de alma.

- Como podemos saber?

- É, não podemos. Então pra que se preocupar?

- Só sei que não consigo mais me emocionar. Não choro. Não rio.

- Nós rimos o tempo todo!

- Você é meu melhor amigo. É tão cínico quanto eu. Rimos fazendo piada com os outros. Não rimos por alegria.

- Credo! Que drama!

- Pode ser que pra você seja diferente. Espero que seja mesmo. Não desejo pra ninguém as coisas que eu sinto, ou melhor, as coisas que eu não sinto. Ainda mais pra você.

- Você fala como se tudo estivesse perdido.

- A vida me estuprou de todas as formas.

 

Disse isso e o amigo riu novamente. Sabia que ele estava brincando, era a maneira do amargo amigo fazer os outros rirem. Tirava sarro da vida, exagerava nos próprios defeitos.

Mas também sabia que ele era triste. E uma das tristezas mais doídas que pode haver é aquela que nasce sem explicação. Como fugir de uma dor sem motivo?

 

- Outra noite sonhei que estava chorando. Chorando muito. Pessoas que não consigo lembrar me consolavam de alguma maneira. E eu não parava de chorar.

- Freud explica...

- O inconsciente e aquela porra toda. No inconsciente eu choro feito uma colegial mimada.

- E acordou chorando?

- Vá! Com os olhos sequinhos, sequinhos. E nem me lembrava mais do sonho. É o que estou dizendo, perdi minha alma. Não faz nem três anos que o babaca aqui chorava por amor. Agora o máximo que consigo é ficar com um nó na garganta com um filme do tipo “Marley e eu!”.

- Já é alguma coisa.

- Se eu soubesse que ia perder minha alma, tinha vendido ela no mercado livre.

- Você é um idiota.

 

(...)

 

Enquanto o tempo voa entre brindes com copos carregados de coca cola e uma viagem para o exterior, cabe aqui uma interessante observação sobre a lágrima:

 

A lágrima é um líquido produzido pelas glândulas lacrimais e serve para lubrificar e limpar o olho.

Você pode fazer essa lubrificação usando a droga de um colírio...

Mas esse líquido só é produzido em grande quantidade quando você chora.

A pergunta retórica é: por que choramos?

 

Por que a emoção humana provoca lágrimas?

 

(...)

 

- Cara, seja feliz.

- Vou ser.

- E não volte tão cedo.

- Assim espero.

- Sério mesmo. Se eu te ver aqui no próximo mês, arranco teu braço e enfio na tua...

 

Era uma despedida por telefone. Não queriam se ver. Não queriam que fosse mais difícil. Eram irmãos. Já tinham se visto dias antes, e ambos fingiram que não era a despedida. Como se fossem se encontrar no dia seguinte.

Era mentira.

Trocaram um abraço. Sabiam que era um adeus.

 

- Volta casado e com filho. – disse por telefone o que ia ficar.

- Só se for por acidente. Mas vamos ver, vamos ver.

 

O que ia viajar estava apaixonado por uma estrangeira. Tinham namorado alguns meses quando ela esteve no Brasil. Ela foi embora e levou o coração do amigo. Agora, ele ia ao encontro dela.

Por um mês.

Por um ano.

Vai saber.

A vida é feita de imprevistos.

Sendo assim, era um paradoxo. Queria que o amigo fosse feliz, então...Que não regressasse tão brevemente. Para ver seu irmão feliz, estava disposto até a torcer para que ele não voltasse logo.

Um baita de um paradoxo.

 

- E não volte tão cedo.

- Assim espero.

 

Não era fácil.

 

- Torça por mim.

- Sempre, meu amigo.

- Obrigado por tudo. Por sempre ter torcido por mim. Por sempre ter sido meu amigo.

- Eu é que agradeço.

 

Desligou o telefone com um tchau seco e foi pra frente do computador escrever alguma coisa. Um texto metalingüístico falando de lágrima, coisa assim.

 

“Eu é que agradeço”.

 

Estava chorando.

É.

Que bom, estava chorando.

 

 

Diego Gianni

(Julho de 2011)

 
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