Pronto. É isso. Não há mais degraus a descer.
Decidi entrevistar um papel higiênico.
Muito nervoso diante da perspectiva de tal entrevista, decidi antes ir pesquisar tudo o que eu podia sobre o objeto em questão na mais alentada fonte de conhecimentos de toda a história da humanidade.
No google.
“O papel higiênico foi criado na China, por volta 875. Antes desse período, as pessoas utilizavam outros artifícios, tais como FOLHA DE ALFACE , ÁGUA e até mesmo SABUGOS DE MILHO.”
Um comentário a parte: muita gente ainda usa o sabugo, mas isso é uma outra questão. Continuando...
“O papel higiênico como conhecemos hoje em dia surgiu em 1857, porém o produto foi um desastre de vendas, pois era CARO e com POUCAS FOLHAS.”
É isso aí, galera. Só os ricos podiam se dar ao luxo de limpar a bunda com alguma dignidade. Era até assunto de “rodinha” entre a alta sociedade:
- Soube que a Margareth limpou a bunda hoje?
“Já em 1879, os irmãos Edward e Clarence Scotts iniciaram um negócio de objetos descartáveis, incluindo um papel MUITO MACIO e de FÁCIL DESINTEGRAÇÃO, o que podemos dizer que foi a primeira tentativa bem-sucedida de massificar o uso do papel higiênico.”
Resumindo, a humanidade sempre fez merda, mas foi evoluindo.
Enfim, já mais confiante, fui até o apartamento de um típico papel higiênico sem nenhum aroma em específico, e depois dele me oferecer um coquetel, começamos o bate papo.
Eu: Confesso que estava muito nervoso antes de vir até aqui.
Papel higiênico: Mas por que, meu filho?
Eu: O senhor é muito importante. Todo mundo te conhece.
Papel higiênico: Tem que conhecer, né? Eu sou tão importante quanto minha prima, a escova de dentes.
Eu: Conte para mim e meus oito leitores, como o senhor começou sua carreira?
Papel higiênico: Tem que ter coragem. Sabe aquela máxima que diz que enfermeiro é quem não teve peito suficiente pra virar médico? Pois bem, papel toalha é quem não teve peito suficiente pra virar papel higiênico.
Eu: Mas não deve ser uma escolha fácil...
Papel higiênico: Um minutinho...
(O telefone toca e o papel higiênico vai atender, dá algumas risadas com alguém que parece ser de sua estima, em seguida volta a conversar comigo).
Papel higiênico: Desculpe a interrupção. Onde estávamos?
Eu: Eu dizia que não deve ser uma escolha fácil...
Papel higiênico: Deveras, de forma alguma. Mas acho que foi Woody Allen que disse: “nós somos a soma das nossas decisões”.
Eu: E como foi no início?
Papel higiênico: Você diz, da minha carreira?
Eu: Sim.
Papel higiênico: Eu estranhei na primeira vez. Eu nem conhecia a pessoa, ela rasgou um pedaço de mim e foi logo...enfim, não quero parecer escatológico.
Eu: Estranho ouvir isso de um papel higiênico.
Papel higiênico (rindo): Imagino que sim, mas o que pode haver de mais escatológico que vocês, humanos?
Eu: Tenho que concordar. Mas a verdade é que você evoluiu muito, não?
Papel higiênico: Sim, no meu conceito de vida a ampla visão de Darwin sobre a evolução se aplica a tudo, inclusive a nós, papéis higiênicos. Mas ainda perambulam por aí nossos irmãos mais atrasados. Você sabe, aquele papel higiênico rosinha, o famoso “rala – côco”.
Eu: Se você pudesse passar alguma lição, qual seria?
Papel higiênico: Não as guerras. Muita gente nos usa para outras finalidades, nos molham e nos tacam uns nos outros, isso é horrível!
Eu: Se pudesse citar uma única frase, qual seria?
Papel higiênico (sorrindo): Vá á merda.
Eu: Um livro.
Papel higiênico: Adoro qualquer poema do Hemingway, mas no momento estou lendo um mostruário sobre produtos de limpeza. Impagável.
Eu: Queria terminar a entrevista lhe convidando para assistir minha peça que reestréia neste sábado.
Papel higiênico: Qual peça?
Eu: Dez razões para não ir ao teatro.
Papel higiênico: Um tanto paradoxo.
Eu: É uma comédia, você vai gostar.
Papel higiênico: Vou sim, apesar de preferir drama.
Eu: Também gosto muito de drama, mas a maioria das pessoas preferem comédia.
Papel higiênico: Te desejo boa sorte.
Eu: No teatro não se diz boa sorte, se diz...
Papel higiênico: “Merda”.
Eu (sorrindo): Exato.
Papel higiênico: Eu, mais do que ninguém, deveria saber.
Fim da entrevista. Pode não ter sido a conversa mais rica que já tive, mas certamente foi a mais profunda.
Diego Gianni