Cãozinho de prédio

Admito.

Meu cãozinho é mimado. Mimado por mim e pela minha mãe. Somos culpados de ele ter se tornado um “cãozinho de prédio”. Em outras palavras, um cãozinho que foi acostumado a comer ração com patê, filé mignon, dormir em cama acolchoada e ter mais de dez brinquedos a sua disposição. Mimamos sim, mas isso porque o amamos demais – e nem digo amamos como se ele fosse gente, porque são poucas as pessoas que amamos tanto (pelo menos da minha parte!).

Outro dia fui passear com ele e resolvi fazer um caminho diferente do qual estamos habituados. Cortei caminho por uma ruazinha sem me dar conta de que era uma favela.

Casinhas simples de madeira, mal cuidadas, pneus velhos no quintal, carrocinhas estacionadas na calçada que nem calçada é, e claro, cachorros vira latas dentro dos portões enferrujados.

Meu cãozinho, mimado que é, colocou o rabo entre as pernas e fez cara de medo. Olhou para mim como quem diz:

- Pode me dizer o que estamos fazendo neste bairro?

Ao notarem a presença do meu cachorro, os vira latas se alvoroçaram e se puseram a latir.

- Au au! Au au!

Meu cachorro olhou pra mim com cara de pelo amor de Deus me pega no colo! E foi o que eu fiz. Segurei-o e fui andando em direção a saída da favela. Os vira latas não paravam de latir, como se dissessem:

- Aê cãozinho de prédio! Vaza daqui!

Cachorros com toquinha de time de futebol e chinelo nas patas. Meu lhasa apso com pedigree sem dúvida não era bem vindo ali. Diverti-me ao imaginar que os latidos dos pulguentos e sarnentos vira latas queriam na verdade dizer:

- Sai fora, playdog! Tu não sabe o que é ver frango rodando e não poder tocar! Teu frango vem desfiadinho e fumegante, cãozinho de prédio! Volta lá pras tuas poodle, playdog!

Dobrei a esquina, deixei a favela pra trás e pus meu cãozinho novamente no chão. Ele abanou o rabo alegremente quando se viu em segurança e caminhou tranqüilamente para urinar – e não mijar – em um poste.

Só mais tarde é que fui perceber que, pensando bem, nada disso tinha acontecido...ou melhor, tinha, mas comigo. Meu cachorro não me pediu colo nem sentiu medo. Meu cachorro, por mais pedigree que tenha, não tem a menor noção do que é desigualdade, segregação social, etc. Feliz dele. Se um cachorro bate os olhos em outro, não há julgamento de raças. Não é ódio, é instinto. Eles simplesmente abanam o rabo e cheiram reciprocamente seus focinhos.

Quem atravessou a favela com medo, com receio, fui eu.

Preconceito? Sim, infelizmente. Mas muita tristeza também.

Crianças mal cuidadas, sem chinelos nos pés, brincando perto de água parada e pregos enferrujados. Jovens sem perspectiva alguma de futuro, quantos deles nunca serão velhos. Morrerão presos dentro do muro que há entre eles e todo o resto.

O egoísmo e a sede de poder dos muito ricos deixam os pobres cada vez mais pobres, que por sua vez descontam sua raiva nos nem tão pobres, nem tão ricos.

Nos cãezinhos de prédio, por assim dizer.

 

 

Diego Gianni

(10/10/10)

 

 
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