Medo

Manhã de quarta feira de cinzas. Contrariando todas as estatísticas, não choveu. A vida, ao contrário dos humanos, não é previsível.

Passeio com meu cachorro costurando avenidas, e como se dá em meus acessos de mudança de humor que saltam da rotina de um autista para a imprevisibilidade de um jovem mochileiro, experimento ruas novas.

Meu cachorro abana o rabo ao perceber um novo rumo. Uma calçada diferente, com outras árvores para farejar e rastros distintos.

O caminho dá para os muros do cemitério Água verde. Já é possível avistar as cruzes das lápides mais altas, o sol despontando sobre elas. Paisagem linda e triste. O cheiro de grama recém molhada e uma leve brisa no rosto faz com que eu pense enquanto avisto o muro amarelado do cemitério.

Viver é bom. Apesar de tudo, viver é bom. Tenho medo da morte. Sinto calafrios só de pensar naqueles que estão do lado de dentro daquele muro. Pessoas que, quem sabe, dias antes estavam ali, exatamente onde estou. Passeando com o cachorro, sentindo o cheiro das coisas, com pressa pra algum lugar.

Da esquina, uma senhora vem em minha direção. Ela usa uma saia que vai até as canelas, uma blusa preta e abotoada e um caminhar vagaroso. Seu rosto é cansado e triste, suas olheiras são profundas. Olho para sua face e tenho certeza que ela está vindo de lá, do cemitério. Eu a enxergo.

Os pelos de meu cão ficam ouriçados. Ele rosna baixinho em direção à senhora, que cruza meu caminho sem olhar para mim. Sem saber que estou ali.

Morro de medo.

Puxo meu fiel amigo pela coleira e desvio o caminho. Não quero me aproximar mais. Parece clichê, mas é no cemitério que eles caminham como bêbados, sem ainda se darem conta. É a fase mais assustadora da passagem. É um segundo parto.

E agora escrevo, como se fosse imaginação, criação, literatura.

Sei que num dia distante, eu mesmo irei me confundir. Não saberei mais descrever o que foi ou não real. Terá sido imaginação?

Sei também que caminharei trôpego, sozinho, vivendo o meu despertar. Com saudades do cheiro das coisas. Com pressa pra algum lugar.

É bom estar vivo.

 

 

Diego Gianni

(10/03/2011)

 
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