Filme afegão “O Orfanato”, exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, estreia no Brasil em dezembro


***Dirigido por Shahrbanoo Sadat, a história gira em torno de Qodrat, jovem de 15 anos fã de Bollywood que mora nas ruas de Cabul

Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, O Orfanato, novo filme da diretora Shahrbanoo Sadat, uma das novas vozes do cinema afegão, estreia em todo território nacional, direto no streaming, no próximo dia 03 de dezembro.  A história gira em torno de Qodrat, jovem de 15 anos fã de Bollywood que mora nas ruas de Cabul, no final dos anos 80. Ele vende ingressos de cinema ilegalmente e sonha acordado em algumas de suas cenas favoritas dos filmes indianos. Um dia é levado pela polícia para o orfanato soviético. Mas em Cabul a situação política está mudando e Qodrat e todas as crianças querem defender sua casa.

O Orfanato“, distribuído no Brasil pela Supo Mungam Films, é a segunda parte de uma pentalogia planejada pela diretora Shahrbanoo Sadat, iniciada com “Lobo e Ovelha”, e inspirada no diário não-publicado de Anwar Hashimi, que interpreta o supervisor do orfanato. No longa a diretora evoca com sensibilidade o mundo interior do protagonista e o turbulento clima político do Afeganistão na época, criando uma experiência humanista única com uma pitada de fantasia.

Entre um realismo brilhantemente filmado e cenas surpreendentemente inspiradas no estilo musical de Bollywood, a diretora Sadat, a mais jovem selecionada para a residência da Cinéfondation do Festival de Cannes, com 20 anos na época, mesma idade em que ela entrou em um cinema pela primeira vez, apresenta em o “Orfanato” uma fábula sobre o amadurecimento, que também fala da história do Afeganistão.


“Sua história me levou a uma jornada pela historia do Afeganistão nos últimos quarenta anos, do ponto de vista inocente de um órfão. Ele era uma criança presa a uma guerra que não era sua. É exatamente o que sinto vivendo hoje no Afeganistão. O orfanato é um dos poucos lugares em todo o país onde todos vivem juntos, não importa a religião ou etnia”, observa a diretora.

Além de Cannes, o longa também passou pelos festivais de Munique, Bruxelas, Sarajevo, Chicago, Londres, Busan e levou o Arau de Ouro de Melhor Filme no Festival de Reyjavik.

“O Orfanato”

Lançamento:  03/12/2020 
Onde: NOW e VIVO PLAY
Direção:  Shahrbanoo Sadat
Elenco:  Qodratollah Qadiri, Sediqa Rasuli, Masihullah Feraji, Hasibullah Rasooli, Ahmad Fayaz Osmani, AnwarHashimi
Título Original: Parwareshghah
Produção: Afeganistão/Dinamarca/Alemanha/França, 2019  |  90 minutos
Gênero: Drama/Fantasia/Musical
Classificação Indicativa: 14 anos
Distribuição: Supo Mungam Films

Nas redes sociais:
www.facebook.com/SupoMungamFilms
www.instagram.com/supomungamfilms
 

Sobre a diretora

Shahrbanoo Sadat é uma escritora e diretora afegã sediada em Cabul. Ela estudou no Atelier Varan Kabul. Seu primeiro longa metragem, “Lobo e Ovelha” (Wolf and Sheep), foi desenvolvido na residência Cinéfondation do Festival de Cannes em 2010. Shahr – com 20 anos na época – foi a mais nova já selecionada. O filme ganhou o prêmio principal na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em 2016.

Seu segundo longa-metragem, “O Orfanato”, após “Lobo e Ovelha”, é também a segunda parte de uma pentalogia planejada, cinco filmes baseados em uma autobiografia não-publicada de Anwar Hashimi. O filme foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em 2019.

Os curtas metragens “Who Wants to Be the Wolf??” (2014), “Vice Versa One” (2010) e os documentários “Not at Home” (2013) e “A Smile for Life” (2009) completam a filmografia da diretora.

Sobre a distribuidora

Supo Mungam Films é uma distribuidora de filmes independentes, criada em 2014 por Gracie P e Pedro H. Leite, com o objetivo de trazer ao público brasileiro obras incríveis e inesquecíveis do cinema internacional, ajudando na formação de público e ampliando os horizontes com histórias e culturas diversas, através da linguagem única do cinema.

Entre os principais focos da distribuidora, desde sua criação, são filmes dirigidos por mulheres, por novas vozes do cinema, por aclamados diretores e filmes com temas de grande importância para nossa sociedade, assim como grandes obras cinematográficas.

Supo Mungam Films lançou nos cinemas brasileiros os filmes “Retrato de Uma Jovem em Chamas” de Céline Sciamma, “Você Nunca Esteve Realmente Aqui” de Lynne Ramsay, “Columbus” de Kogonada, “Verão 1993” de Carla Simón, “De Canção Em Canção” de Terrence Malick, “Uma Mulher Alta” de Kantemir Balagov, “Em Trânsito” de Christian Petzold, “Custódia” de Xavier Legrand, “A Camareira” de Lila Avilés, e muitos outros.

A origem do nome Supo Mungam vem de “magnum opus” (obra-prima, em latim). Cinema é arte, é cultura, é vida!

ENTREVISTA COM A DIRETORA  SHAHRBANOO SADAT
 

O filme é baseado nas memórias de seu amigo Anwar. Quais elementos de história dele incentivaram você para adaptá-las em um roteiro?
Achei a história dele muito honesta, simples e rica ao mesmo tempo. Sua história me levou a uma jornada pela história do Afeganistão nos últimos quarenta anos, do ponto de vista inocente de um órfão. Ele era uma criança presa a uma guerra que não era sua. É exatamente o que sinto vivendo hoje no Afeganistão.

Até que ponto você buscou se ater aos fatos reais? Você usou elementos de seu próprio passado para escrever o filme?

Anwar passou 8 anos de sua vida em um orfanato. Em sua autobiografia, há várias páginas repletas de personagens, eventos, muita história, vários nomes de pessoas e lugares que só faziam sentido para um público afegão. Li as páginas várias e várias vezes e lutei muito comigo mesma para encontrar o equilíbrio certo entre o que aconteceu e o que realmente deveria acontecer no filme. Eu queria tornar fácil de entender para um público internacional, porém sem me esquecer do público afegão. Tornei o período mais curto, mesmo que a história comece em 1989 e termine com os Mujahideen assumindo Cabul em 1992, porém mantive o tempo fictício para que os personagens não crescessem, mas pudéssemos sentir que o tempo passou. Também reduzi o número de personagens. Às vezes misturei diferentes histórias e personagens para torná-las minhas. As músicas dos filmes de Bollywood são a maior parte do que adicionei à história de Anwar, mas Anwar era realmente um grande fã de Bollywood e vendeu ingressos de cinema ilegalmente.

O testemunho de seu amigo é uma maneira indireta de se questionar a história recente do Afeganistão?

Não se pode questionar o presente se não souber o passado. Existem vários filmes sobre o Afeganistão hoje e garanto que o mundo todo saiba que existe um conflito ali. O que me interessa é cavar o passado para encontrar onde toda a bagunça realmente começou.

Você usa muita “gramática” cinematográfica de Bollywood no filme. Como você teve a ideia de criar suas próprias sequências de Bollywood?

Bem, Bollywood é uma indústria de filmes gigantesca na minha parte do mundo e a amizade entre Afeganistão e Índia a tornou ainda mais forte. Quase todos os afegãos sabem falar Urdu porque assistem muitos filmes indianos. Talvez a década de 1980 tenha sido a época de ouro para isso, porque tínhamos salas de cinema e havia paz ao menos em Cabul, a capital.

No Afeganistão de hoje, existem tantos “filmes Z” sendo produzidos um atrás do outro, influenciados por Bollywood. Portanto, a ideia não estava muito longe de mim. Além disso, o fato de Anwar ter vendido ingressos de cinema ilegalmente e ser um grande fã de Bollywood fez com que essa ideia se encaixasse no filme.

A reação apaixonada do público enquanto assistia um filme de Bollywood real no início do filme é incrível. Qual foi o significado da cultura de Bollywood no Afeganistão durante os anos 80? Isso mudou hoje em dia?

Os afegãos não são pessoas expressivas, mas adoram Bollywood, onde eles recebem a emoção e o drama. Eu amo esse contraste. Talvez seja por isso que o amor por Bollywood tenha se mantido o mesmo. É a única maneira de se expressarem. A única diferença é o tempo. Os anos 80 foram uma época de ouro, por causa da existência de salas de cinema em toda Cabul. Agora as pessoas assistem filmes na internet ou compram DVDs piratas. O que Bollywood oferece fascina as pessoas. Sonhar, viver uma vida perfeita que não é possível na vida real, amizade, amor e alegria. Essas são coisas que pessoas sentem falta em suas vidas reais, especialmente quando se vive em um país em guerra como o Afeganistão, onde dificilmente existem direitos básicos. Na minha cabeça, faz sentido de onde vem esse interesse.

Os órfãos do filme vêm de diferentes origens étnicas e religiosas. Você queria que o orfanato representasse a diversidade do Afeganistão?

O orfanato é um dos poucos lugares em todo o país onde todos vivem juntos, não importa a religião ou etnia. Eu estava especialmente interessada neste fato, quando começou a guerra civil étnica no Cabul, no início dos anos 90, e muitos se mataram apenas porque não pertenciam à mesma etnia.

Você poderia nos contar mais sobre a produção do filme? Quais foram as dificuldades que você encontrou durante o processo de produção?
Eu filmei no Tajiquistão, um dos países pós-soviéticos na Ásia Central, o vizinho do norte do Afeganistão, onde os lugares se parecem com o Afeganistão. Contratei atores não profissionais do Afeganistão e os enviei para o Tajiquistão. Obter passaportes e vistos para os atores é sempre muito difícil. O Tajiquistão negou a emissão dos vistos e tivemos de solicitar uma segunda vez.

Recebemos financiamento regional da Alemanha e Dinamarca para filmar as cenas de Bollywood na Rússia lá, mas conseguir o visto Schengen é impossível para os afegãos. Não há embaixada em Cabul que emite mais vistos, então para conseguir o visto Schengen tivemos de viajar para o Paquistão e para viajar para o Paquistão precisávamos de vistos para o Paquistão. Conseguir vistos para o Paquistão também é complicado, já que emitem vistos dependendo do humor e também da situação política atual entre os dois países. A embaixada dinamarquesa negou nossos vistos na primeira vez, não pudemos continuar a filmagem e tivemos de fazer uma pausa de 4 meses entre as filmagens no Tajiquistão e Europa para conseguir os vistos para o elenco principal.

O outro grande desafio é que me sinto solitária ao criar um Afeganistão em outro país. Não teve nenhum diretor de arte envolvido no projeto e Anwar e eu conseguimos cada acessório e roupa por nós mesmos. Mais tarde conseguimos ajuda, mas ainda assim transformamos um bordel tadjique inteiro em um orfanato com um grupo de trabalhadores da construção civil, com quem trabalhei antes no meu filme anterior “Lobo e Ovelha”. Lá fizemos uma vila afegã inteira.

Poderia nos contar mais sobre a produção de filmes no Afeganistão? Como você acha que a direção de filmes pode ser incentivada lá? 
Existem várias empresas de produção registradas e vários cineastas fazendo filmes, desde filmes Z a curta-metragens e documentários, também alguns filmes de ficção de longa metragem. Acredito que o movimento é lento, mas existe um. Precisamos de tempo para criar a nossa própria linguagem de cinema. Acho que os cineastas afegãos estão confusos e perdidos entre o que querem contar e o que pensam que o mundo espera que eles contem. Espero que um dia possamos ser os narradores das nossas histórias. Tudo bem para mim que os cineastas internacionais estejam atraídos pelo Afeganistão, mas o que é mostrado do Afeganistão é muito clichê, superficial e está a milhas de distância da realidade de lá. Meu desejo é que um dia, em um futuro próximo, cineastas afegãos ousem compartilhar suas histórias da maneira que desejam contá-las. 
 

Você contratou alguns dos mesmos jovens atores não profissionais de seu primeiro filme “Lobo e Ovelha”. Você os viu crescer. Qual o tipo de relacionamento que você desenvolveu com eles?
Fiquei muito surpresa quando trabalhei com Qodrat pela segunda vez no set. Percebi que ele estava mais velho agora e a maneira que trabalhei com ele em “Lobo e Ovelha” não funcionava mais. Dessa vez, nosso relacionamento era mais profissional; eu confiava nele e conversava com ele sobre as cenas com mais detalhes. Ele é inteligente e muito paciente.
 

Além de seu contexto histórico, o filme também lida com o amadurecimento dos diferentes órfãos. Esta parte foi totalmente escrita ou você deixou os jovens improvisarem?
Tudo foi escrito. Apesar deles terem improvisado bastante, no final é bem semelhante ao que eu escrevi.

A conclusão do filme permanece em aberto com uma espetacular abordagem onírica. Por que você optou terminar dessa maneira?
Essa é uma resposta fácil! Eu queria que as crianças ganhassem! Todos nós sabemos o que acontece em uma guerra. Mulheres, crianças e civis são mortos e perdem. Não vi sentido em repetir essa situação mais uma vez sendo que eu tinha o poder de reescrever isso.


Qodrat adora se imaginar como um personagem de filme. Você era assim quando adolescente? Que papel o cinema desempenhou quando você estava crescendo?

Eu gosto de Qodrat. Ele é esperto e acredito que ele possa conseguir uma carreira de ator um dia. O cinema chegou à minha vida muito tarde. Entrei em um cinema verdadeiro pela primeira vez quando eu tinha 20 anos. Eu tive uma infância diferente.
 

Você planejou originalmente dirigir cinco filmes inspirados pela história do seu amigo. Ainda é um projeto atual? Ou você tem outros desejos de direção?

Parte um (LOBO E OVELHA) e parte dois (O ORFANATO) estão prontas. Estou trabalhando na terceira e quarta partes agora. Todas essas histórias são inspiradas na obra de Anwar. Ele tenta publicar seu diário e existe um crescente desejo dentro de mim de fazer um filme que não seja baseado e/ou inspirado pelo trabalho dele. Farei isso um dia, quando estiver mais velha, talvez quando terminar essa pentalogia.

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