Não chegou a nossa hora

Era 20 de abril de 1997. Acordei como um dia qualquer. Não tive algum sinal ou pressentimento do que estava por vir. Fiz o meu café da manhã, conversei com amigos na praia e fui para o mar cheio de planos para aquele lindo dia de sol. Tracei uma rota com meu windsurf e segui mar adentro ainda com o cabelo seco. Mal sabia eu que estava rumando ao encontro de um dos mais antigos e, por que não assim dizer, temidos seres da terra: um tubarão-branco de quase quatro metros.

O que aconteceu comigo naquela manhã tem muito a ver com o que estamos vivendo hoje. Desrespeitei a natureza quando me afastei além do normal e necessário para um velejador; invadi um território desconhecido e que é dos animais. Paguei um preço alto pela minha ousadia ou falta de respeito.  

Em algum dia normal, em um mercado de alimentos, onde nós seres humanos estávamos consumindo e tratando os animais sem menor respeito ou cuidado, surgiu um vírus que “atacou” uma pessoa. O inimigo invisível que se espalhou e continua se espalhando por todo o planeta.

As consequências econômicas ainda estamos tentando entender, mas as mortes, não. Elas estão servindo de alerta para refletirmos: até onde vai a nossa capacidade de interferir no planeta e a nossa suposta superioridade sobre a natureza e seus animais?

No momento que o tubarão me puxou para debaixo d’água, tive a certeza que iria morrer. Por sorte, destino, milagre, ele me soltou. Era a minha chance. Eu sabia que, se não conseguisse velejar, essa chance se transformaria na angústia de uma morte solitária, completamente inesperada. Eu tinha apenas 22 anos de idade.

Dentro da minha poça de sangue, com uma mistura de gelo e pavor, tomando conta do meu corpo e da minha mente, pensei:

“Agora não, não vou morrer aqui não, não pode ter chegado a minha hora!”

E, graças a Deus, eu consegui velejar de volta à vida, como conto em detalhes no livro “A Isca – Uma História Real”. Momentos de angústia e, até mesmo, de desespero podem nos rondar nesse tempo de crise. Afinal, estamos vivenciando algo novo, inesperado e assustador, que ameaça nossa sociedade e nossas vidas. E será desses sentimentos fortes que tiraremos força para superar o vírus e suas consequências. 

“Agora não, não vamos morrer, não pode ter chegado nossa hora!”

Vamos tirar força, paciência, foco e inteligência para vencer essa etapa da nossa história.  Assim como eu aprendi com meu acidente, tenho certeza que vamos aprender também. Essa certeza vem até mesmo pelas similaridades. Enquanto era atendido no hospital, minha preocupação já não era mais se ia sobreviver ou não, mas, sim, quando minha vida voltaria ao normal.

A primeira etapa de volta à vida normal também foi uma espécie de quarentena. Tive de ficar três messes sem sair de casa, dois deles deitado na cama. O tempo parecia que não ia passar, mas hoje posso dizer que nem me lembro direto disso. Depois, foram mais sete meses até o meu médico me liberar para a tão sonhada “vida normal”.

Iniciamos esse período de espera em prol do nosso bem-estar. Vencido isso, também teremos de nos readaptar a uma nova etapa. Aos poucos, a vida e a economia vão voltar ao normal. Vai levar alguns meses, mas posso garantir que cada etapa ultrapassada nos trará uma felicidade imensa, uma fome de viver ainda maior do que aquela que estávamos sentindo antes disso tudo acontecer. 

*João Pedro Portinari Leão, é escritor e empresário, autor do livro A Isca – Uma História Real, publicado pela editora Edite.

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