Parafusos fabricados com madeira. Um longuíssimo tabuleiro de xadrez. Um dado gigante virado do avesso. Um conjunto de mesa e cadeira impraticável. O artista curitibano Washington Silvera é engenhoso na arte de “desutilizar” utensílios do cotidiano, esvaziando-os de suas funções tradicionais para lhes atribuir sentidos poéticos. “O que separa algo útil de algo inútil mas útil é a poesia, e é essa a essência que procuro sempre”, conta.
Parte desses objetos “enfeitiçados” pelo artista estarão reunidos na mostra individual Inventário, que abre no dia 16 de outubro, às 19 horas, na sala 2 do Museu Municipal de Arte – MuMA. Também estão previstas atividades como uma conversa entre Washington Silvera e o curador da exposição, Fabrício Vaz Nunes, no dia 23 de outubro, e uma palestra com o artista paulistano Guto Lacaz, no dia 4 de novembro.
Do Inventário de Silvera fazem parte oito obras que revelam dois grandes eixos poéticos da produção do artista entre 2012 e 2014: a reinvenção de objetos artísticos e do cotidiano como mesas, ferramentas, dados, violões e bandolins, e a investigação sobre questões de representação na arte como as fotografias da série “Natureza Morta Camuflada”, em que o tradicional tema pictórico é alterado como forma de questionar as convenções do gênero.
Washington Silvera costuma ouvir atentamente o que um objeto tem a lhe dizer, e, a partir daí, dá início ao seu trabalho de feitiçaria. Altera materiais, formas, dimensões e disposições normais das coisas até transformá-las em insólitas criações como, por exemplo, o violão de proporções agigantadas da série “Objetos Acústicos”, que se expande como uma onda musical em formas curvas e orgânicas. “A obra de Washington persegue esse estatuto flutuante, contraditório do objeto – simultaneamente, o objeto ele-mesmo e a sua representação em condições alteradas. O ‘objeto enfeitiçado’ vive nesse lugar, entre o real e o irreal, entre o fato e a ficção, como se fizesse parte de um conto fantástico”, explica Fabrício Vaz Nunes, em texto de apresentação do livro Viu?. A publicação patrocinada pela Fundação Cultural de Curitiba será vendida no dia da abertura a R$60 (inteira) e R$30 (estudantes) juntamente com um Flipbook com texto inédito do curador, a R$ 15.
Mesmo criador de objetos, Washington Silvera não se denomina escultor. “Gosto de pensar em conceitos que tenham poesia para depois atacar com a matéria. E como abro caminho em várias frentes, já não posso me considerar um escultor, mas um artista plural”, explica. Suas investigações, sem compromisso com nenhum suporte, incluem a performance, a fotografia e o vídeo. “Gosto de mostrar algo que se sustente sem palavras é isso não é fácil”, conta. As dificuldades incluem desafios como passar inúmeras horas filmando o mar para realizar o vídeo “objeto moldura/mar”, envolto por uma moldura cujo pedaço faltante surge em movimento, flutuando sob as ondas.
Washington Silvera manipula conceitos artísticos complexos que, no entanto, como escreve Fabricio Vaz Nunes, são trazidos a um “nível poético de amplo alcance, fugindo do hermetismo muitas vezes exagerado, elitista, que assola a arte contemporânea”. O próprio artista reconhece o humor e o campo lúdico que liga até mesmo as crianças aos seus objetos – que aos olhos delas parecem saídos de fábulas e desenhos animados. É o caso, por exemplo, dos dados da série “Viu?”, objetos que têm sua ludicidade natural literalmente virada do avesso. “Muitos trabalhos têm a ver com minha infância, observando meu pai, marceneiro, trabalhando com instrumentos e formas”, conta.