Envelhecer

Envelhecer não é fácil.

Não estou falando da minha pessoa, apesar de eu ter já ter ouvido que você pode morrer jovem aos 80 ou velho aos vinte e poucos anos.

Estou passando alguns dias na casa dos meus avós, e cada vez que volto aqui percebo como eles vão tendo mais dificuldades com pequenos detalhes.

Hoje mesmo, em conversa com mio nonno:

- Por que está de cara fechada, vô?

- Ando me esquecendo das coisas.

- Isso passa.

- Sim. Quando a gente morre.

- Credo vô!

- Vai se acostumando. Tirando a energia nuclear, as baratas e a Dercy Gonçalves, tudo na vida tem seu fim.

- Pois você vai viver pelo menos uns 300 anos.

- Vira esta boca pra lá! Vou querer viver tanto assim pra quê? Ninguém vive tanto tempo assim.

- As tartarugas marinhas vivem.

- As tartarugas marinhas moram na praia e não fazem porra nenhuma a vida inteira! Na próxima vida eu quero ser uma tartaruga marinha!

- E eu um porco, pra ter um orgasmo de trinta minutos.

- Respeite o seu avô!

- Desculpa. E não liga pra esse seu problema de memória...

- Que problema?

- ...?

- Aliás, quem é você?

Sim, não é fácil envelhecer, imagino eu. Sobretudo quando você está no meio do jantar papeando animosamente sobre as mazelas do Corinthians e seu avô diz de repente:

- Todos os meus amigos estão morrendo...

Eu me engasgo com um pedaço de batata e concluo em pensamento que meu avô está melancolicamente certo. Todos os seus amigos de juventude já se foram ou estão para concluir o final do segundo tempo. Deve ser muito triste ter cada vez menos testemunhas do seu passado.

Talvez por isso os idosos gostem de falar tanto, o que provoca a impaciência dos jovens. Sem hipocrisia, eu posso dizer que desde muito moço eu já adorava ouvir as histórias do meu avô. É como mergulhar dentro de um livro de história. E eu sei que um dia eu estarei enchendo os ouvidos do meu neto com conversas assim:

- Eu lembro bem onde eu estava quando aquelas torres caíram... era 11 de setembro de 2.001, eu tinha acabado de acordar e...e...esqueci.

Espero que esse meu possível neto também seja paciente.

Penso que no fundo a velhice é um tipo de medalha que a pessoa carrega. É como se ela dissesse: “puxa vida, eu cheguei até aqui. Podia ter desistido, mas estou aqui”.

Só sei que deve ser muito estranho você viver sabendo que falta pouco. Não que alguém possa ter alguma certeza, mas no mínimo chega numa época da vida que você sabe que não tem mais muita dúvida. O fim está à espreita, é batata, a mesma que me fez engasgar ao ouvir o mórbido comentário de meu querido avô.

Quero concluir com uma lembrança minha...

Poucas coisas são tão impactantes quanto você olhar uma pessoa e saber que é pela última vez, saber que a pessoa vai embora para sempre da sua vida.

Foi há alguns anos. A mãe de uns amigos nossos, uma senhora, foi para Curitiba na companhia deles passar alguns dias com minha família. Uma senhora muito alegre e dona de um sorriso constante na boca, mas tragicamente, também com um câncer dentro dela. Sabendo que a mulher em geral fala demais, ela mesmo brincava que não há nada mais cruel para uma mulher do que ter câncer logo na língua.

Era nítido o quanto tudo era difícil para ela, mas ela não reclamava e ainda continuava a sorrir. E garanto, aquele sorriso era um tapa na cara.

Saíamos para jogar boliche e ela ia junto. Até arriscava algumas jogadas, e pra minha humilhação, jogava muito melhor do que eu.

Os dias passaram muito rápido, e quando fomos levar a senhora para o aeroporto, olhei bem para ela. Lembro-me de pensar: “por Deus, é a última vez que estou vendo ela”.

E eu sabia que era mesmo. Nós víamos aquela senhora raramente, de ano em ano, e nós sabíamos que ela já não tinha mais este espaço de tempo.

Antes de se encaminhar para sua plataforma de embarque, de longe ela acenou para nós mais uma vez. Vi aquele aceno quase que em câmera lenta, tentando gravar aquele gesto na minha mente. Então ela embarcou para sempre.

Tive sensação parecida hoje. Estava andando com meu avô pela rua e cruzamos com um amigo dele, um senhor que deve ter uns 15 ou 20 anos a mais que meu avô. Trocaram abraços e piadas sobre viagra e outras coisas. Quando foram se despedir, meu avô disse para ele:

- Juízo, hein?

E ele, dando de ombros:

- Na minha idade não adianta mais ter juízo.

Dei risada do comentário, mas não pude deixar de reparar bem naquele senhor enquanto ele ia se afastando. Encontramos ele por acaso. Não iria acontecer novamente.

Vi ele dobrar a esquina e sumir para sempre da minha vida.

Diego Gianni

 
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