Tatá Werneck, Carol Duarte e Tábata Amaral com MC Soffia

Quem fala o que quer nem sempre escuta o que não quer. No caso da Tatá, não ter papas na língua a ajuda a quebrar preconceitos, ser a apresentadora do talk show mais comentado da TV, fazer novela, abraçar o amor e inspirar uma geração. Sabe quando você está escrevendo um e-mail e abre uma aba do Spotify, depois vai para o Facebook, em seguida dá uma espiada no portal de notícias e, quando vê, está morrendo de rir de um vídeo de gatinhos no YouTube? Falar com Tatá Werneck, carioca, 34 anos de pura energia, é meio isso. Ela emenda assuntos, vai abrindo janelas, conta do namorado, da mãe, dos onze gatos e seis cachorros... Aí, do nada, faz você gargalhar.

 

É mesmo bacana ser a Tatá? Estar sempre criando e ter esse pensamento rápido cansa em algum momento? Eu sou muito feliz de me ser! É estranho falar isso? Parece que me acho? Mas tenho uma autoestima boa, que não passa pela aparência, mas por estar bem comigo, me preencher, ver que as pessoas gostam de estar perto. Desde que entendi que não tem como passar por essa vida tentando viver outra, ficou mais fácil. Fui uma criança questionadora. Aos 3 anos, perguntava o porquê de precisar aceitar tal coisa. Sempre fui militante, representante de turma. Acabei expulsa da escola duas vezes por ser bagunceira e ter o mesmo comportamento de colegas meninos, mas que era inaceitável para uma menina.

 

Uma visão machista que deve ter surgido em vários outros momentos da sua vida, né? Sim. As pessoas questionavam tudo, até a minha sexualidade. Se eu fosse lésbica também não seria um problema... Mas por que essa necessidade de catalogar as pessoas? Por que precisamos ser colocadas em nichos? Por que se você é bonita não pode ser inteligente? Se é engraçada não pode ser vaidosa? No começo, quando ia participar de campeonatos de improviso e de rima, eu quase me anulava para provar meu talento. Colocava uma calça largona, um moletom e só faltava falar: “Ó, galera, esqueça que eu sou mulher!”. Hoje jamais faria isso.

Relutar em ficar com o Rafa [Tatá demorou dois meses para aceitar o pedido de namoro] é um reflexo disso? Nunca me interessei por homens mais novos. Ficava pensando por que dar uma chance se sabia que estávamos em momentos diferentes. Mas já estava acontecendo... O Rafa é um homem maduro, fora da curva, de uma família muito legal. Essa geração dele é livre de todas as formas e não tem uma série de preconceitos que a gente fala que não tem e continua tendo. Contei para minha mãe [a jornalista Claudia Werneck], que falou: “Não criei a minha filha para ser uma mulher tão preconceituosa”. Amoleci e, quando vi, fazíamos tudo juntos. Que bom!

 

Como lida com esse preconceito? Acreditando no amor. Nunca um homem que é visto com uma mulher mais nova é questionado. É quase um troféu. Agora, quando um cara está com uma mulher mais velha, as pessoas ficam se perguntando o porquê. E tem mil motivos, né? Nunca é o amor. As pessoas já querem colocar um prazo de validade. Parece que, se algum dia – Deus me livre, em nome de Jesus! –, a gente não estiver junto, vai ser porque sou mais velha.

 

Sua mãe é a sua inspiração? Ela e minha avó materna, Vera, que me ensinou a ter fé. Minha mãe começou a se dedicar à questão da deficiência muito antes de se falar disso [autora de 13 livros sobre inclusão, Claudia é fundadora da ONG Gente do Bem]. Eu a admiro profissionalmente e como mãe. Essa é uma questão que ainda vivemos e na qual penso muito. Acharia o máximo gravar o Lady Night grávida, amamentaria no palco se precisasse. Outro dia vi uma parlamentar na TV, não lembro de qual país, amamentando no congresso. É isso. Não são vidas paralelas. Somos criadas com uma culpa tão grande, como se fosse errado ter tudo. Não é! Está tudo bem em ser muito feliz.

Essa culpa é cultural... Total. Os caras falam que gostam de mulheres fortes, mas poucos sabem lidar com isso. Eu já me sabotei muito por causa de relacionamentos. Já fiquei com homens que me impediram de pegar prêmios, por exemplo, que tentavam me rebaixar para se sentir melhor, que competiam comigo. Hoje vejo que o companheiro incrível é aquele que se fortalece com a sua força.

Não faz muito tempo, Carol Duarte era uma atriz exclusivamente de teatro. Nos palcos desde os 15 anos,viveu um turbilhão ao estrear no horário nobre da TV. E chegou com o pé na porta para falar sobre um assunto que, até então, era puro tabu para grande parte dos brasileiros: transexualidade. Em A Força do Querer, a paulistana retratou os dramas de um jovem trans, mudou radicalmente o visual e fez muita gente conservadora aceitar e (até torcer!) para que Ivan fosse feliz sendo simplesmente quem queria ser. E foi isso o que a deixou mais orgulhosa com o personagem: abrir espaço para a troca de ideias e da autoaceitação. Carol é gay e, apesar de ser reservada sobre sua relação com a fotógrafa Aline Klein, fala abertamente sobre orientação sexual e entende que sair do armário ainda é difícil no Brasil. Hoje, aos 26 anos, se esforça para aproveitar o alvoroço, sem romantizar a vida de atriz – não à toa, faz questão de andar de metrô em São Paulo, cidade onde mora, frequentar os mesmos lugares da época do teatro e defender o que acredita. “Sempre admirei mulheres que tomavam conta da própria vida, independente do que os outros achavam ou deixavam de achar. Sempre quis ser uma delas.”

 

No último ano você viveu um furacão chamado Ivan. O que mudou de lá para cá? O alcance do teatro é muito menor do que o da TV. Poder dialogar com tantas pessoas sobre a questão de identidade de gênero foi muito rico porque, afinal, somos diferentes e devemos respeitar essas diferenças. Na minha época de colégio, as pessoas mal falavam sobre gays, lésbicas e trans. Isso mudou. A próxima geração não vai ter a ignorância que a minha teve ou da minha mãe, avó... Essa é uma enorme conquista.

Há um tempo, atores tinham receio de dizer que eram gays para não perderem papéis de mocinha ou galã na novela. O medo ainda existe? De maneira geral, no mundo, esse medo existe. Dizer que é gay ou trans ainda gera insegurança porque continua sendo visto como algo ruim. As palavras “viado”, “sapatão” e travesti”, na nossa cultura, são xingamentos.

 

Como foi se descobrir gay? Minha vida não teve grandes eventos porque no teatro se quebra alguns estereótipos e tive uma criação muito livre. Minha família sempre foi tranquila, mas eu sei que isso é uma bolha social, não é o comportamento mais comum no Brasil. A tendência é as pessoas terem preconceito.

 

O que te torna empoderada? É a consciência do que representa ser mulher. Na adolescência, vi que algumas coisas não eram legais, por exemplo: os meninos podiam perder a virgindade com quem quisessem, mas no caso das meninas tinha que ser romântico. Foi aí que comecei a entender meu lugar no mundo. Por isso, fico triste quando uma mulher é machista. A imposição cultural é tão forte que ela mesma se reprime.

 

Para você, qual é a melhor parte de ser mulher hoje? Ando me orgulhando em saber que a sociedade evoluiu de certa forma. Minhas avós viveram pior do que eu. E espero que, se tiver uma filha, ela viva melhor e assim por diante. Sou feliz em fazer parte dessa luta.

Então ter filhos está de fato nos seus planos? Quero ser mãe, sim. Não sei quando porque deve ser uma experiência muito profunda...Tenho vontade de adotar, mas essa ideia ainda é meio nebulosa para mim.

 

Você é a atriz revelação do ano para a Glamour. Qual foi o maior desafio que enfrentou ao chegar até aqui? Tendem a romantizar a vida de ator. Depois que acabou a novela, não mudei minha rotina. Continuo usando metrô e frequentando os lugares de sempre. É sedutor achar que o mundo gosta de você e tudo é lindo, mas o desafio é me renovar e manter minha cabeça no lugar, sabendo que sou atriz, nada além disso.

Pense em uma pessoa humilde. Que mesmo tendo sido aprovada nas mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos, como Harvard, Caltech, Columbia, Princeton e Yale, credita todas as suas conquistas aos professores e instituições que a ajudaram (emocionalmente e financeiramente!) durante a vida escolar. Que saiu da periferia de São Paulo, em 2012, lugar onde a família ainda mora, e escolheu Harvard para estudar ciências políticas com bolsa integral. Que, dois anos depois, ainda nos EUA, criou, com um grupo de amigos, o Mapa Educação, movimento de mobilização de jovens brasileiros na luta por uma educação de qualidade. Que, em setembro passado, foi convidada para uma mesa redonda com Barack Obama, justamente para falar do Mapa e do Movimento Acredito, cujo objetivo é reestruturar a política no Brasil, e ouviu dele o famoso: “Yes, girl, we can!”. Essa é Tabata Amaral de Pontes, de 24 anos, que trabalha para transformar jovens brasileiros em personagens ativos na educação, instigando-os a fiscalizar as políticas públicas. Essa é Tabata, garota tímida que pensa, sim, em ser presidente do País. “Temos que nos candidatar aos cargos políticos. Enquanto acreditarmos que quem está no poder é corrupto, de fato deixamos espaço para pessoas mal-intencionadas.”

 

Medo de sonhar é algo que você, definitivamente, não tem, né? Já tive muito. Quando meu pai faleceu, em 2012, vítima da bipolaridade e do vício em álcool, cogitei não ir para os EUA, por exemplo. Achava que não era merecedora. Hoje, depois de tudo, me permito sonhar! Mas, é importante dizer que a possibilidade de almejar, no Brasil, tem gênero, raça e CEP. A educação pública é tão precária, que é difícil para um jovem pensar em estudar em universidades públicas ou ter uma educação de ponta. Por isso, sonho com um País de oportunidades iguais, em que o único limite para as realizações seja a imaginação.

 

Qual foi o melhor conselho que você já recebeu de outra mulher? Não sei se foi exatamente um conselho... Mas, certa vez, minha professora e orientadora de Harvard, Frances Hagopian, me disse que se arrumava para as aulas e se preparava pelas meninas. Pois, mesmo elas sendo minoria na sala, eram as suas alunas. Depois disso, percebi que por ser, muitas e muitas vezes, a única mulher nos ambientes onde estou palestrando sobre educação, tenho que oferecer a melhor versão de mim mesma. Isso serve para que elas, as meninas que me assistem, sintam-se inspiradas e acreditem que podem – e devem! – ocupar esse espaço também.

 

Uau! Pois é. Além da minha mãe, Reni, que me teve muita nova, aos 22 anos, e abriu mão de tudo para que eu pudesse estudar – acreditando que, só assim, eu teria um futuro diferente do da minha família –, foi a professora Frances quem compartilhou comigo as suas dificuldades. E ela o fez só para me mostrar que eu não estava sozinha. Seu apoio me fez seguir com muito mais força.

 

Então, seria a professora Frances a mulher para quem você daria o prêmio Gente Que Faz, como o seu? Uma delas! Confesso que adoraria premiar a Anitta, viu? Além de talentosa, ela é uma mulher forte e empreendedora, que cuida não apenas da própria carreira, mas ainda faz apostas em novos artistas [a cantora Clau e o cantor Micael são empresariados por ela]. Sem falar que Anitta conhece a realidade brasileira e se expressa com verdade, como de fato ela é. Aproveitando: Glamour, se quiserem nos colocar em contato, serei a pessoa mais feliz do mundo!

Ser confiante, lutar por representatividade e transformar opinião em rima é possível aos 14 anos? Para a cantora MC Soffia, sim. Aliás, isso é tarefa desde os 10, quando escreveu o seu primeiro rap. Como uma heroína, a adolescente canta às crianças sua mensagem de resistência diante do racismo que vive e vê no mundo. De tão bem-sucedida e engajada, chegou, no ano passado, à lista anual das 100 mulheres mais inspiradoras da rede britânica BBC. “Me sinto poderosa por fazer músicas capazes de ajudar outras meninas”, diz. Desde pequena Soffia Gomes da Rocha Gregório ouve piadas sobre o seu cabelo e, apesar da pouca idade, encara o preconceito com a mesma sabedoria de um adulto e atribui esse processo de construção à sua mãe, a produtora Kamilah Pimentel, de 33 anos. “Todo tipo de ofensa me fortalece. É mais inspiração para as minhas músicas”.

 

Qual recado você quer deixar para a próxima geração? A importância de ser o que quiser e ter uma referência no mundo. A representatividade de que tanto falo é você enxergar alguém que te incentive a continuar.

 

Isso tem tudo a ver com o nosso prêmio Gente Que Faz que você ganhou. Fiquei muito feliz. É importante uma menina negra ter esse destaque. Significa que tudo que eu tenho feito faz sentido. Obrigada!

 

E para quem você o daria? Para todas as meninas negras, todas as mulheres. Por tudo que a gente passa desde sempre, não é só uma que merece, né?

 

Qual é o seu maior poder? A habilidade de fazer músicas capazes de ajudar outras meninas.  que faço é poderoso. Acho grandioso e me sinto uma heroína.

 

O melhor de ser mulher hoje é... Aceitar a nossa própria beleza! Nós sempre fomos muito diminuídas, mas agora temos consciência da importância de ajudar uma a outra. A internet tem facilitado isso também. É só olhar para as youtubers! Elas nos ensinam sobre maquiagem para nosso tipo de pele. Parece algo simples, mas as meninas negras nunca tiveram essas referências...

 

Falando em youtubers, você acompanha algum canal? Eu sigo o da Nátaly Neri [Afros e Afins] e o da Gabi [De Pretas], mas não têm muitas meninas da minha idade que falam sobre representatividade.

 

E o que você acha do seu recado também atingir os adultos? Normal, sabia? Apesar de ressaltar que as músicas são para as crianças, acho bom chegar nos mais velhos. O que mais me deixa feliz é saber que estou conseguindo combater o preconceito com as minhas letras. A sensação de transformar a dor de uma pessoa em aceitação, com música, é incrível. Como pode, né?

 

Você se sente segura com o seu cabelo? Por conta da sociedade que nós vivemos, foi um processo de construção. Eles nunca vão falar que o cabelo crespo é bonito e por isso eu também não gostava do meu. Eu alisava, mas também me achava horrível.

 

E quando isso começou a mudar? A minha família sabia que isso poderia acontecer e me preparou com histórias sobre a nossa origem. Hoje, o cabelo cacheado está sendo exaltado entre as empresas, mas é um terreno perigoso. Eles querem falar sobre inclusão, mas não mostram a realidade do cabelo crespo...

 

Em fevereiro passado, você foi alvo de ataques racistas na internet. Como encarou? Todo tipo de racismo só me fortalece: daí eu crio as minhas músicas. Me aceito e estou bem com o meu cabelo, mas não deixo de denunciar os criminosos

Última atualização em Qua, 04 de Abril de 2018 11:59  
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