“Maquiavel era um cara legal e repudiava a corrupção”, diz autor


Peça sobre o polêmico pensador italiano será encenada no país
depois da pandemia
 

O filósofo, diplomata e dramaturgo Nicolau Maquiavel (1469-1527) deu origem a termos que viraram verbetes e são muito citados quando se quer dizer que alguém engana, mente e se utiliza de golpes baixos para alcançar seus objetivos. Uma pessoa que trai e mata para atingir as suas metas, quaisquer que sejam elas, é “maquiavélica” e lança mão de recursos do “maquiavelismo”. 
O escritor e jornalista José Paulo Lanyi discorda do uso indiscriminado dessas qualificações. “Maquiavel era um cara legal. Ele era um republicano leal e direto. Tinha ideias democráticas e repudiava a corrupção”,  diz o autor da peça “Maquiavel, O homem por trás do mal”, texto recém-publicado na Amazon e dedicado ao professor italiano Maurizio Viroli, de Princeton, um dos maiores especialistas na vida e na obra do controvertido pensador florentino.
Na entrevista a seguir, Lanyi, vencedor do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por sua peça “Quando Dorme o Vilarejo”, revela uma personagem muito diferente do que a maioria das pessoas imagina. 

Afinal, Maquiavel era ou não maquiavélico?

José Paulo Lanyi- Maquiavel era um cidadão e servidor exemplar sob vários aspectos, um homem apaixonado pela política e pela sua pátria, Florença, e, de modo mais amplo, pela Itália. Como bom renascentista, ele se inspirou na Roma Antiga para refletir sobre as coisas do seu próprio tempo e extrair o melhor para que a península revivesse os seus dias de glória. Uma das maiores preocupações de Maquiavel era a fragilidade das cidades-estado, que considerava vulneráveis, como realmente eram, às invasões de povos estrangeiros, também chamados de bárbaros por ele e muitos outros italianos daqueles dias. Como diplomata de segundo escalão, mentia ou omitia em suas missões para proteger os interesses de Florença, o que os funcionários de outras cidades ou regiões também faziam. Isso era parte do jogo, como ainda é. Mas Maquiavel comentava com os seus amigos sobre essas mentiras, não se orgulhava delas, era uma pessoa sincera quando podia ser e até quando não podia, o que lhe custou a reputação, porque também costumava fazer e dizer à luz do dia o que outros faziam e diziam escondidos. Maquiavel era um cara legal. Ele era um republicano leal e direto. Tinha ideias democráticas e repudiava a corrupção. Quando os Médicis mandaram fazer uma devassa nas suas contas públicas, Florença não só não encontrou desvios como ainda teve que lhe devolver dinheiro.

Ditadores de várias épocas teriam “O Príncipe” como seu livro de cabeceira…
José Paulo Lanyi- Essa é a obra capital para entendermos a má reputação de Maquiavel, disseminada anos após a sua morte por religiosos da contrarreforma, sobretudo depois que “O Príncipe” foi incluído no “Index”, a lista negra dos livros que a Igreja condenava. Maquiavel havia dedicado e encaminhado esses escritos a Lourenço II de Médici, Duque de Urbino, não tinha a intenção de que fossem publicados. Era uma tentativa sua de voltar à vida pública depois de ter caído em desgraça com a queda da República e também de conclamar os novos príncipes a retomarem as rédeas da Itália, unificá-la, salvá-la das garras dos estrangeiros que a escravizavam. Maquiavel apregoava nesses escritos uma série de ações que hoje soam questionáveis no terreno da moral, mas que ainda são presentes na relação entre os governos e que eram mais do que comuns naquela época. Ele entendia que Florença deveria agir como os seus inimigos, com a astúcia e a crueldade necessárias. Do contrário, seria derrotada, e seu povo, escravizado. O último capítulo de “O Príncipe” é claro quanto a isso e tem um título cristalino sobre as suas intenções: “Exortação para tomar a Itália e libertá-la das mãos dos bárbaros”. É um apelo poético e desesperado para que um potentado faça o que tenha que fazer e salve a península da destruição e da barbárie. Maquiavel cortejou a atenção dessa família sumamente poderosa e autocrática, mas fez isso por pragmatismo. Suas convicções eram outras. Ele era republicano e tinha ideias democráticas. 

Maquiavel democrático não combina com o que muitos pensam sobre ele. 
José Paulo Lanyi- Porque não conhecem a sua vida e outros trabalhos seus, como os “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”, obra da qual emerge um Maquiavel simpático à república, à participação popular, à necessidade do embate entre interesses de todas as camadas sociais. Maquiavel rejeitava a tirania, não suportava a dominação imposta por nobres e aristocratas, mas também não tinha ilusões sobre o povo, sabia das suas fraquezas, como as de qualquer outro grupo de seres humanos. Não à toa, ele dizia que para conhecer o caráter do povo é preciso ser príncipe, e que para entender o do príncipe é preciso ser do povo. Para ele, mais importante do que classificar as pessoas de acordo com a sua origem e a sua condição social era saber o que competia a cada um para fazer da sua terra um lugar melhor para viver.    

Como é o Maquiavel da sua peça?  José Paulo Lanyi- Muito próximo do que ele foi. Engraçado, dado a fazer piadas e a pregar peças, amoroso com a sua esposa Marietta, com seus filhos e amigos. Bom bebedor de vinho e jogador, um sujeito que adorava conversar com as pessoas mais simples e saber como elas viviam. Um artista sensível, um pensador realista e implacável. E infiel no casamento, fascinado pelas mulheres, como Bárbara Salutati, uma das suas amantes, muito mais jovem do que ele, que era atormentado por isso.

Quando a peça será encenada?   
José Paulo Lanyi- Tenho conversado com um amigo diretor que gostou do texto. Mas nós dois concluímos que é sábio e prudente aguardar o fim da pandemia para darmos os passos seguintes. Espero que possamos levar isso adiante depois da aplicação das vacinas. O que importa agora é a segurança de todas as pessoas. Na hora certa vamos ver essa obra no palco, em São Paulo e em outros estados. Por ora, é possível lê-la em versão eletrônica. É um bom começo para quem gosta de teatro, de história e de personagens fascinantes e complexas como Nicolau Maquiavel. Pode-se ler o texto e assistir à peça depois. No teatro ele ganhará outras cores, outra dimensão criativa.   


“Maquiavel, O homem por trás do mal” (texto teatral)
Autor: José Paulo Lanyi

Edição: Amazon – www.amazon.com.br
Formato: eBook

Tamanho do arquivo: 1378 KB93 páginas

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