Honestidade ou sincericídio?


(Desenho de Diego Cervino Lopez)

Nos cursos de Comunicação Não-Violenta (CNV) que oferecemos, costumamos perguntar aos participantes o que em suas vidas contribui para que sintam conexão com outras pessoas. Como resposta, frequentemente surgem as palavras honestidade e sinceridade.

Então procuramos investigar se é verdade que a honestidade e a sinceridade SEMPRE contribuem para criar, fortalecer ou restaurar a conexão entre as pessoas. Rapidamente a turma começa a rir e relatar situações desastrosas em que ocorreu o efeito contrário, e a sinceridade se tornou sincericídio, causando desconexão.

Na prática da CNV cultivamos um olhar para nós mesmos e para os outros que busca a empatia como elemento de conexão, procurando intencionalmente acessar a humanidade que compartilhamos. Ao mesmo tempo, aprendemos a reconhecer com mais clareza os elementos culturalmente aprendidos que tendem a diminuir a chance de conseguirmos acessar essa humanidade e nos conectarmos empaticamente uns com os outros.

Nossa experiência com a CNV nos tem oferecido uma reflexão importante sobre duas principais formas possíveis de compreender e vivenciar a honestidade e a sinceridade. 

Percebemos uma enorme diferença entre a honestidade que expressa julgamentos moralizadores sobre os outros e a sinceridade que expressa nossos próprios sentimentos e valores pessoais. Esta segunda forma de expressão, que utiliza uma linguagem de sentimentos e valores humanos universais, aumenta as chances da outra pessoa conseguir nos ouvir e, potencialmente, sentir-se tocada pois consegue reconhecer em si esses mesmos sentimentos e valores, que são universais. Assim acontece a empatia. 

Temos experimentado há mais de uma década essa forma de sinceridade, que costumamos chamar de honestidade radical. Vivenciamos em nossas vidas e testemunhamos seus impactos positivos em mediações de conflitos nas mais diversas situações: em empresas, escolas, em famílias e entre amigos, nas periferias no Brasil e em zona de conflito armado na Palestina/Israel. Tem sido muito gratificante ver a qualidade de conexão que se forma a partir desta prática.

Explicando melhor como isso ocorre na prática: 

Se a sinceridade está enraizada em julgamentos moralistas, isto é, se expressamos o que achamos certo ou errado, ou o que consideramos bom ou mau, é bem possível que nossos interlocutores tenham opinião ou experiência diferentes e se sintam compelidos a se defender ou reagir, e assim contribuímos para a desconexão.

Por outro lado, podemos ser honestos de uma forma mais profunda, que favorece a conexão, expressando como nos sentimos quando percebemos que certos valores humanos universais não estão sendo atendidos em determinada situação. Expressando com coragem nossa experiência mais íntima e humana, convidamos o outro a nos enxergar de verdade. Percebendo que não há motivos para reagir ou se defender, o outro se sente convidado a mostrar também sua humanidade.

(Por Yuri Haasz & Sandra Caselato)*

São parceiros de vida e de projetos pelo mundo afora há 20 anos, sempre em busca de transformação pessoal e social por meio da conexão humana.
www.sinergiacomunicativa.com.br

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