Entrevista exclusiva: Padre Manzotti

O Acontece Curitiba conversou com o Padre Manzotti que está lançando o livro ” As muralhas vão cair “

Acontece Curitiba : Por que o Sr. escolheu esta passagem da bíblia para este livro?

Padre Reginaldo : Escolho para que o leitor conheça alguns fatos da história do povo hebreu, de Moisés e sua missão de resgatar o povo do Egito, conhecer as dificuldades que enfrentaram na travessia do deserto, muitas vezes pela teimosia e desobediência a Deus. Mas, apesar disso, Deus não os abandonou e caminhou com eles, conduzindo-os. Enfim, o objetivo é que todos conheçam a trajetória para entender a importância da chegada, o Cerco de Jericó, a queda das muralhas e a posse da terra prometida. Nós também fomos libertos da escravidão do pecado e estamos sempre em marcha rumo à terra prometida, a Jerusalém Celeste, a eternidade com Deus. Ele caminha conosco e nos ajuda a derrubar as muralhas que nos impedem de avançar. Então, esse paralelo tem muito a nos ensinar.

AC : O poder da oração é algo muito individual e revelador. Neste livro qual é a face desta ação de orar que o Sr. promove ao leitor?

PR: A face da oração guiada pelo Espírito Santo nos ajuda a entender o que necessitamos. Procurei ressaltar a importância da oração pessoal, humilde, confiante e perseverante, onde reconhecemos nossas misérias e a necessidade que temos de Deus, de Sua graça. Como escreve São Tiago: “A oração do justo, feita com insistência, tem muita força.” (Tg 5,16). Acima de tudo, como o próprio nome sugere, o livro traz o rito do Cerco de Jericó, que é uma modalidade poderosa de oração, composto por Salmos e leituras bíblicas.  

AC – Qual está o maior desafio da igreja diante da pandemia?

PR : Creio que é a ausência involuntária, mas necessária, dos fiéis. A Igreja é o “povo de Deus” e com as Igrejas fechadas, o grande desafio é justamente manter esse vínculo eclesial. Graças a Deus estamos conseguindo manter esse vínculo através dos meios de comunicação, principalmente pelas TV’s Católicas, que estão oferecendo conforto neste momento tão difícil, levando a Palavra de fé e esperança. E é importante ressaltar a disposição dos sacerdotes, que estão utilizando todos os recursos que tem em mãos para transmitir online missas, novenas, terços para a sua comunidade. É o desafio de contribuir para que cada lar seja uma Igreja doméstica.

Posso dizer que não é fácil e é até desafiador para um sacerdote celebrar, fazer um sermão para uma Igreja vazia. Estamos com saudades do nosso povo e pedindo a Deus para que em breve, possamos nos reunir como assembleia para a Celebração Eucarística.

Além disso, a Igreja também tem sido desafiada na dimensão da caridade. Com a crise econômica, agravada pela pandemia, são muitas as famílias que perderam sua fonte de renda e se encontram em situação de fome. Com o inverno chegando, o frio também castiga. Sem ter a quem apelar, se voltam para a Igreja, que também sobrevive de doações. Então, é mais um desafio, com as portas fechadas, fomentar campanhas de alimentos e agasalhos, para que possamos socorrer essas famílias em situação de vulnerabilidade.

AC : E justamente manter a fé e a esperança tem sido um grande desafio para a maioria das pessoas. Qual é a sua orientação para os que de alguma forma estão a duvidar da fé?

PR : Nunca duvide, confie sempre em Deus. Se deixarmos a dúvida se instalar, perdemos a fé e quem perde a fé, perde o horizonte da vida. Percebo que desde o início da pandemia aumentou a procura das pessoas por Deus, uma aproximação com o sagrado. Muitos estão se voltando pela dor, pois existe uma conexão entre o sentimento de medo, de incerteza, de perda com a busca pela religião. Mas, esse é o caminho. Se estamos com Deus, encontramos a força para prosseguir.

AC : – Nós sofremos constantemente muitas vezes por causa do nosso ego. Queremos mostrar aos outros o que temos, o que construímos. As redes sociais estão aí a todo o vapor para provar essa necessidade de exposição. O Sr. tem ideia de como a humanidade sairá pós essa situação pandêmica?

PR : É difícil prever. No início, eu acreditava que aconteceria uma grande mudança, que seríamos pessoas melhores, mais comprometidas com o bem-estar do próximo. Mas, com o passar das semanas, vemos os escândalos de pessoas que tentam tirar proveito a custa dessa tragédia, superfaturando equipamentos e respiradores. Mesmo em uma escala menor, o comportamento de quem não respeita pedidos simples, como usar máscara, respeitar o distanciamento, evitar aglomerações, coisas que estão no alcance de todos, mas acabam colocando a arrogância e prepotência em primeiro lugar.

Isso é lamentável, porque se teve um fato que ficou comprovado nessa pandemia é que não somos os ‘tais’, como nos julgávamos. Com todo o avanço, com toda a tecnologia, com todas as conquistas, um ser microscópio chega e mostra que somos limitados e desesperados. Meu medo é que tudo isso caia no esquecimento e saiamos da pandemia como entramos. Gostaria muito que todo o sofrimento, todas vidas, todas as perdas que tivemos não fossem em vão, porque o sofrimento só encontra sentido quando serve para tirarmos algo de bom. Sou otimista e espero que nos comprometamos com ações concretas de sustentabilidade, menos consumismo, menos ganância, menos egoísmo e que mudemos a cultura de lucra a qualquer custo.

Que o mundo não será mais o mesmo é uma certeza, pelo menos enquanto não encontrarem uma vacina eficaz. Uma crise mundial como a que estamos vivendo pode mudar valores. A escolha é nossa e cabe a cada um de nós decidir se quer ser uma pessoa melhor.

AC : – As ações de RESPEITO e EMPATIA têm sido diariamente debatidas diante das injustiças e descasos. O Sr. por acaso acha que as pessoas estão mais intolerantes sobre o que é diferente?

PR : Essa triste realidade, infelizmente, sempre existiu. O que está escancarando essa situação, mesmo que não justifique, é a tensão em que se encontram as pessoas. Tudo é motivo para explosões de comportamentos. A internet, que serve a bons propósitos se bem usada, tem esse outro lado, esse lado nefasto que se mal usado, torna-se uma fonte de disseminação de ódio e intolerância. O preconceito deixa marcas na sociedade. Pensar diferente, ter opiniões divergentes tem provocado a raiva e desencadeado a violência. Precisamos recuperar o respeito e exercitar mais a regra de ouro de Jesus: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você”. (cf. Mt 7,12)

AC – Fé e oração podem andar separadas, ou, orar resulta na fé?

PR : De maneira alguma podemos separar a fé da oração. Elas sempre caminham juntas. A fé é um dom gratuito de Deus, mas como uma semente, sempre precisa ser cultivada e alimentada. E a oração é o alimento, o combustível para a fé.

Normalmente, as pessoas usam a oração para pedir alguma graça para si, famílias ou pessoas queridas. Mas, a oração também pode ser usada para aumentar a própria fé, bastante apenas pedir ao Senhor como o apóstolo João pediu: “Senhor, eu creio! Aumenta minha fé”. (Jo 20,28s)

A oração perseverante é indicativo de uma fé profunda, de firme esperança e da caridade viva para com Deus e o próximo.

O Acontece Curitiba agradece e desejo muita paz em nossa caminhada.

No Comments Yet

Comments are closed