Cantos de festa e liberdade: Martinho da Vila lança novo álbum, “Rio: Só Vendo a Vista”

“Rio: só vendo a vista”, novo álbum de Martinho da Vila, é um presente do artista à cidade do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, um painel riquíssimo sobre as belezas, alegrias, contradições, disputas, festas, farras, tristezas, perrengues e modos de encantar a vida que, cotidianamente, definem o modo carioca de ser.

Nas composições do álbum – entre cinco faixas inéditas e sete regravadas com novas roupagens – o compositor parte de Vila Isabel, o umbigo do mundo, e passeia por Bento Ribeiro, Salgueiro, Oswaldo Cruz, Mangueira e Arpoador; vai do Maracanã lotado às rodas de samba no Terreirinho, no Morro dos Macacos.  Reverente aos ancestrais, bate cabeça nos terreiros de Umbanda – a irmã do samba, carioca como a bossa nova, nos versos do mestre – rufando os atabaques em louvor a Zambi, ao preto velho São Benedito e a Oxalá; deuses das Áfricas e do Brasil.

Escute: https://SMB.lnk.to/RioSoVendoAVista

Lyric vídeo da canção “Rio: Só Vendo a Vista”: https://youtu.be/7hvS6e874lY

Martinho da Vila é confessadamente um festeiro, daqueles que concordam com a frase que o parceiro Beto Sem Braço cravou um dia: o que espanta a miséria é festa! O espírito festeiro e comunitário – a festa, afinal, constrói sociabilidades, reforça laços e fortalece identidades – perpassa todas as faixas do trabalho: 7 dos 8 filhos de Martinho participam do coro nas faixas “Vila Isabel anos 30”,  “Rio Chora o Rio Canta”,  “Umbanda Nossa” e “Assim Não Zambi”; as filhas cantam com Martinho “Você, eu e a orgia” (samba feito para a Beth Carvalho) e a caçula Alegria participa pela primeira vez de um trabalho do pai.

A parceria com Moacyr Luz (Na ginga do amor), a homenagem à companheira, Cleo (Minha preta, minha branca), as participações-solo de Verônica Sabino (O Caveira e Pensando Bem), Martnália (Menina de rua) e Maíra Freitas (Assim não Zambi), reforçam ainda mais o sentido coletivo, de estímulo ao encontro, que Martinho sempre abraçou.

Homenageado no enredo da Unidos de Vila Isabel no próximo carnaval, indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Samba/ Pagode pelo álbum anterior Martinho 8.0, compondo ativamente, escrevendo, cantando, firmando parcerias, interagindo com a cidade, Martinho se apresenta como um artista completo, capaz de cruzar o tradicional e o contemporâneo com a destreza dos grandes mestres. Registre-se que além de cantar a cidade, o novo trabalho de Martinho é também uma homenagem ao chargista e cartunista Lan, o italiano mais carioca do planeta, que nos deixou recentemente e é o autor da arte da capa.

Por fim, vale ressaltar o sentido poético e político que perpassa cada uma das faixas. Em um momento em que a cidade e o país parecem mergulhar no desencanto das ruas, na intolerância, na violência contra as religiões de matrizes afro-indígenas, na diluição de laços comunitários, Martinho propõe o inverso: a retomada das ruas, o convívio fraterno, a luta por justiça social, o combate firme ao racismo, o respeito aos tambores ancestrais que saíram das costas africanas e florestas para ecoar na Guanabara, o poder criador do samba, o louvor aos que chegaram antes e construíram aquilo que a cidade tem de mais forte. A lição do mestre Martinho é um candeeiro que, aceso no respeito ao passado, ilumina o presente e aponta o caminho do futuro. Por aqui, afinal, não se faz festa porque a vida é fácil, mas pela razão inversa.

Martinho da Vila, neste “Rio: só vendo a vista”, firma o ponto no chão para reivindicar e reinventar o chão sagrado da cidade como experiência de liberdade, desafio e alegria: eis a tarefa maior do samba expressa, em cada momento do álbum, na voz de um dos maiores artistas da história da música do Brasil.

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